DEU EM O GLOBO
De Copenhague, a capital temporária da Terra, muito se espera. Se havia alguma dúvida da importância do evento, ela foi afastada com os anúncios feitos pelos Estados Unidos e China. Nenhum sucesso está garantido, mas os derrotados de véspera perderam um argumento — ou dois — com a decisão dos maiores emissores de ter metas e preparar as malas para a Dinamarca.
Ser uma reunião importante não garante que será vitoriosa. Os governantes podem voltar para os seus países, no Natal, contando que o mundo perdeu uma grande chance de fazer um acordo histórico. Que o acordo seria insuficiente diante do que os cientistas estão pedindo como o mínimo, mas seria alguma coisa, só que fracassou. Pode ser essa a mensagem de Natal. Ou não.
Havia uma ponte no meio do caminho. Nas últimas semanas alguns países a cruzaram e isso produziu um salto qualitativo. Os Estados Unidos há um ano eram governados por um presidente que negava a existência do aquecimento global, nunca ratificou o Tratado de Kioto e censurou cientistas do governo que diziam a verdade inconveniente. Hoje, há uma lei aprovada na Câmara dos Representantes estabelecendo metas e regras federais para a transição para uma economia de redução de carbono, e o presidente Barack Obama anunciou que apresentará metas em Copenhague.
A China sempre disse que não sacrificaria seu crescimento e que não é responsável pelos gases emitidos no passado. Agora, o primeiro-ministro Wen Jiabao vai a Copenhague e a China tem metas. O Brasil sempre sustentou que como país em desenvolvimento não tinha obrigação de ter metas, por isso não as aceitaria.
Desta vez, voluntariamente as apresenta e o presidente Lula irá à reunião.
Cada país tem uma conta diferente, um parâmetro, uma data-base. Contudo, a Terra se move. Na matemática do clima, os 20% da Europa são maiores do que os 40% da China e pelo menos o triplo dos 17% dos Estados Unidos. Os números não são exatos porque se referem a anos e cálculos diferentes. A Europa voltará aos níveis de 1990 e ainda reduzirá 20%. Além disso, avisou que pode cortar mais. A Inglaterra já aceita 34% e avisa que sua tesoura está afiada para novos cortes.
Os Estados Unidos voltam a 2005 e cortam 17%. A China avisou que chega a 2020 emitindo menos do que estaria emitindo. Como o do Brasil, o chinês é um corte do futuro de emissões.
A China complicou mais e disse que cortará a intensidade de carbono no produto. Tanto China quanto o Brasil chegarão a 2020 emitindo mais que hoje, mas menos do que estariam emitindo se nada fosse feito.
O cálculo do Brasil é opaco, o da China é confuso, o dos Estados Unidos, insuficiente. Tudo somado, noves fora a Índia que pode virar um pária se nada anunciar, os países vão fazer menos do que o mínimo necessário pedido pelos cientistas para se limitar a dois graus o aumento de temperatura do planeta.
Mesmo antes de começar já se pode dizer que nunca houve uma COP como a 15.
“Quinze já? Para mim é a COP 1”, me disse um amigo.
Queria dizer que só agora prestou atenção na Conferência das Partes através da qual a ONU vem tentando, em reuniões anuais sucessivas, construir um acordo para reduzir os riscos da mudança climática. A de número 13, em Bali, fez um Mapa do Caminho até Copenhague.
A de número 14, em Poznam, na Polônia, decidiu aguardar Barack Obama.
A de número 15, agora, é diferente de todas pelo volume do barulho feito por cientistas, ativistas, governos, jornalistas, empresários, políticos, países de risco imediato, opinião pública, apaixonados e aflitos de qualquer natureza.
Esse barulho constrange e transforma. Por que países como China e Brasil abandonaram a desculpa histórica de que não são nossos os gases que hoje mudam o clima? Por que dois poderosos governantes, Barack Obama e Hu Jintao, recuam dias depois de uma tentativa de postergar o assunto por mais um ano? Porque há momentos em que se formam correntes e elas vão empurrando recalcitrantes.
Os brasileiros viram isso acontecer aqui. O governo sempre negou que faria o que passou a fazer, numa mudança tão rápida que ainda pega os novatos desinformados sobre pontos elementares do debate.
Pessoas do governo que sempre defenderam que o Brasil não deveria ter metas, agora mudam a conversa e apostam na falta de memória coletiva. Enfim, foi uma guinada brusca, mas na direção certa e no timing perfeito. Imagina se o Brasil não tivesse anunciado o que anunciou? Se o fizesse agora pareceria caudatário; se continuasse com a velha posição estaria isolado como a Índia.
O estudo divulgado semana passada, a “Economia da Mudança Climática no Brasil”, tentou fazer com o Brasil o que o economista Nicholas Stern fez em relação ao mundo: calcular o custo de não fazer nada e o custo de trabalhar para mitigar os efeitos da mudança climática. Ou seja, o preço da ação versus o preço da inação. O estudo confirmou o ponto de Stern, de que não fazer nada custa mais caro, e também disse que o Brasil pode crescer mais numa transição para a economia de baixo carbono.
O ministro Hilary Benn, da Inglaterra, me disse que em Copenhague cada país terá que pôr números na mesa, e um perguntará ao outro: que número você trouxe? O processo é mais complexo, penoso, e difícil do que isso, mas esse é um bom resumo de uma das principais diferenças entre esta reunião em relação a outras: todos terão de dizer quanto pretendem contribuir.
A outra diferença é esse clima que cerca Copenhague: o de que não há retrocesso tolerável, adiamento possível. O sentimento de urgência enfim chegou.
Com Alvaro Gribel
De Copenhague, a capital temporária da Terra, muito se espera. Se havia alguma dúvida da importância do evento, ela foi afastada com os anúncios feitos pelos Estados Unidos e China. Nenhum sucesso está garantido, mas os derrotados de véspera perderam um argumento — ou dois — com a decisão dos maiores emissores de ter metas e preparar as malas para a Dinamarca.
Ser uma reunião importante não garante que será vitoriosa. Os governantes podem voltar para os seus países, no Natal, contando que o mundo perdeu uma grande chance de fazer um acordo histórico. Que o acordo seria insuficiente diante do que os cientistas estão pedindo como o mínimo, mas seria alguma coisa, só que fracassou. Pode ser essa a mensagem de Natal. Ou não.
Havia uma ponte no meio do caminho. Nas últimas semanas alguns países a cruzaram e isso produziu um salto qualitativo. Os Estados Unidos há um ano eram governados por um presidente que negava a existência do aquecimento global, nunca ratificou o Tratado de Kioto e censurou cientistas do governo que diziam a verdade inconveniente. Hoje, há uma lei aprovada na Câmara dos Representantes estabelecendo metas e regras federais para a transição para uma economia de redução de carbono, e o presidente Barack Obama anunciou que apresentará metas em Copenhague.
A China sempre disse que não sacrificaria seu crescimento e que não é responsável pelos gases emitidos no passado. Agora, o primeiro-ministro Wen Jiabao vai a Copenhague e a China tem metas. O Brasil sempre sustentou que como país em desenvolvimento não tinha obrigação de ter metas, por isso não as aceitaria.
Desta vez, voluntariamente as apresenta e o presidente Lula irá à reunião.
Cada país tem uma conta diferente, um parâmetro, uma data-base. Contudo, a Terra se move. Na matemática do clima, os 20% da Europa são maiores do que os 40% da China e pelo menos o triplo dos 17% dos Estados Unidos. Os números não são exatos porque se referem a anos e cálculos diferentes. A Europa voltará aos níveis de 1990 e ainda reduzirá 20%. Além disso, avisou que pode cortar mais. A Inglaterra já aceita 34% e avisa que sua tesoura está afiada para novos cortes.
Os Estados Unidos voltam a 2005 e cortam 17%. A China avisou que chega a 2020 emitindo menos do que estaria emitindo. Como o do Brasil, o chinês é um corte do futuro de emissões.
A China complicou mais e disse que cortará a intensidade de carbono no produto. Tanto China quanto o Brasil chegarão a 2020 emitindo mais que hoje, mas menos do que estariam emitindo se nada fosse feito.
O cálculo do Brasil é opaco, o da China é confuso, o dos Estados Unidos, insuficiente. Tudo somado, noves fora a Índia que pode virar um pária se nada anunciar, os países vão fazer menos do que o mínimo necessário pedido pelos cientistas para se limitar a dois graus o aumento de temperatura do planeta.
Mesmo antes de começar já se pode dizer que nunca houve uma COP como a 15.
“Quinze já? Para mim é a COP 1”, me disse um amigo.
Queria dizer que só agora prestou atenção na Conferência das Partes através da qual a ONU vem tentando, em reuniões anuais sucessivas, construir um acordo para reduzir os riscos da mudança climática. A de número 13, em Bali, fez um Mapa do Caminho até Copenhague.
A de número 14, em Poznam, na Polônia, decidiu aguardar Barack Obama.
A de número 15, agora, é diferente de todas pelo volume do barulho feito por cientistas, ativistas, governos, jornalistas, empresários, políticos, países de risco imediato, opinião pública, apaixonados e aflitos de qualquer natureza.
Esse barulho constrange e transforma. Por que países como China e Brasil abandonaram a desculpa histórica de que não são nossos os gases que hoje mudam o clima? Por que dois poderosos governantes, Barack Obama e Hu Jintao, recuam dias depois de uma tentativa de postergar o assunto por mais um ano? Porque há momentos em que se formam correntes e elas vão empurrando recalcitrantes.
Os brasileiros viram isso acontecer aqui. O governo sempre negou que faria o que passou a fazer, numa mudança tão rápida que ainda pega os novatos desinformados sobre pontos elementares do debate.
Pessoas do governo que sempre defenderam que o Brasil não deveria ter metas, agora mudam a conversa e apostam na falta de memória coletiva. Enfim, foi uma guinada brusca, mas na direção certa e no timing perfeito. Imagina se o Brasil não tivesse anunciado o que anunciou? Se o fizesse agora pareceria caudatário; se continuasse com a velha posição estaria isolado como a Índia.
O estudo divulgado semana passada, a “Economia da Mudança Climática no Brasil”, tentou fazer com o Brasil o que o economista Nicholas Stern fez em relação ao mundo: calcular o custo de não fazer nada e o custo de trabalhar para mitigar os efeitos da mudança climática. Ou seja, o preço da ação versus o preço da inação. O estudo confirmou o ponto de Stern, de que não fazer nada custa mais caro, e também disse que o Brasil pode crescer mais numa transição para a economia de baixo carbono.
O ministro Hilary Benn, da Inglaterra, me disse que em Copenhague cada país terá que pôr números na mesa, e um perguntará ao outro: que número você trouxe? O processo é mais complexo, penoso, e difícil do que isso, mas esse é um bom resumo de uma das principais diferenças entre esta reunião em relação a outras: todos terão de dizer quanto pretendem contribuir.
A outra diferença é esse clima que cerca Copenhague: o de que não há retrocesso tolerável, adiamento possível. O sentimento de urgência enfim chegou.
Com Alvaro Gribel
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