Cantagalo, Vidigal e Borel, chamados de ex-favelas pela prefeitura, ainda têm lixo e valões
Duilo Victor, Rogério Daflon e Waleska Borges
As comunidades do Pavão-Pavãozinho e do Cantagalo, na Zona Sul, e do Borel, na Tijuca, não são mais consideradas favelas pela prefeitura. A percepção dos moradores, no entanto, é bem diferente, sobretudo porque nelas a expectativa de mais investimentos com a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) acabou frustrada - algo que o próprio secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, alertou em entrevista exclusiva ao GLOBO. O Vidigal, onde há intensa presença do tráfico de drogas, também não é chamado mais de favela pela prefeitura. As localidades têm em comum o fato de terem recebido obras de infraestrutura nos últimos 20 anos, argumento usado pela administração municipal para classificá-los como bairros, assim como em mais 41 locais carentes da cidade.
"Isso não é bairro", contesta moradora
Os moradores dizem que a falta de continuidade das ações do poder público desvaloriza as melhorias. Da sua janela no Pavão-Pavãozinho, a dona de casa Elaine Barbosa Santana, de 23 anos, por exemplo, vê os encantos de Copacabana, mas, a despeito das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sofre com a falta d"água, o lixo pelas vielas, o esgoto a céu aberto, ratos e "gatos" nas ligações elétricas:
- Isso não é bairro - diz ela.
Na parte alta do Pavão-Pavãozinho, há pelo menos 20 casas feitas de madeira e outras de pau a pique. A dona de casa Sonia Alves Modesto, de 40, mora numa delas:
- Estamos largados - resumiu.
Moradores também reclamam que uma caixa d"água construída nas obras do PAC está pronta desde o fim do ano passado, mas tem vazamentos e sequer foi inaugurada.
- Pago R$18 pelo serviço de água e esgoto, mas sempre ficamos a seco - lamentou Geúsa de Oliveira.
Segundo o secretário da Associação de Moradores do Pavão-Pavãozinho, Ivan Lima, desde novembro do ano passado, a prefeitura cortou o projeto Gari Comunitário que tinha 16 pessoas na coleta do lixo. Agora, afirmou Ivan, há só seis funcionários da Comlurb. A assessoria de imprensa da empresa informou que o fim do projeto se deveu a uma decisão da Justiça.
- Estão querendo enfeitar o pavão. A verdade é que não moramos em um bairro - avaliou Ivan.
No Borel, moradores se mostram frustrados com o poder público, porque, para eles, com a chegada da UPP, as obras de infraestrutura poderiam ter vindo de maneira mais eficaz.
- Veio a UPP, mas nossas vielas estão sem iluminação, há muito esgoto e, com o fim do gari comunitário, o lixo se espalha pela Rua da Independência - disse Regina Lira.
O secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, afirmou que os problemas apresentados nos locais considerados ex-favelas são de manutenção, assim como em qualquer bairro.
- Quando digo que uma comunidade é bairro, não digo que ela não apresenta este ou aquele problema, mas que já apresentou investimentos globais em rede de esgoto, rede elétrica, controle de encostas e equipamentos de saúde, lazer e educação. Em Ipanema, por exemplo, se formos procurar, também vamos achar vazamento de esgoto - disse o secretário. - A atual administração, diferentemente da anterior, tem demonstrado manutenção dos investimentos nessas comunidades.
No Vidigal, a manutenção dos equipamentos do Programa Favela-Bairro, contudo, deixa a desejar. Na obra de drenagem, há muito lixo acumulado. Locais com esgoto a céu aberto e outros com o saneamento resolvido são um dos contrastes do lugar. A lavanderia, as praças e o parque ecológico, todos construídos pela prefeitura, estão em péssimo estado de conservação.
- No Vidigal, temos áreas que são iguais às dos bairros da cidade e outras totalmente abandonadas - disse o recepcionista Juliano Rigor, que cria dois filhos em meio ao esgoto, ratos e muito lixo.
Para o presidente do Instituto Pereira Passos (IPP), Ricardo Henriques, a criação de uma nova classificação dos territórios populares evidencia a necessidade de políticas diferenciadas:
- Faz sentido classificar da mesma forma tanto a localidade que tem ruas asfaltadas, segurança e acesso a luz, água e esgoto, quanto aquela em que as ruas são de barro, cortadas por valões e onde não há água encanada? Utilizando as mesmas categorias, deixamos de perceber que estes espaços precisam de ações distintas do poder público.
Na visão do presidente do IPP, nos limites das próprias comunidades urbanizadas - como o IPP classifica as ex-favelas - é possível constatar grandes contrastes:
- A região mais elevada da Santa Marta apresenta condições de vida bem mais precárias do que na área média e baixa. O mesmo pode se dizer, aliás, de regiões da chamada "cidade formal". Alguns bairros apresentam trechos onde a urbanização é deficiente e a iluminação pública inadequada, mas nem por isso são chamados de favelas.
FONTE: O GLOBO
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