Em momento algum desde que as Unidades de Polícia Pacificadora começaram a ser implantadas no Rio de Janeiro prosperou a suposição de que pudesse ser um fim em si o programa de ocupação de favelas por policiais. O objetivo imediato das UPPs é cristalino: trata-se de uma ação para atacar demandas emergenciais - entre outras, a violência decorrente da criminalidade, o controle territorial por traficantes bem armados e a subjugação de populações inteiras por estes marginais, alguns inclusive encastelados na banda podre das próprias polícias. Assim, objetiva-se resgatar comunidades do jugo do crime organizado e preparar o caminho para ações de Estado, com a oferta de serviços e de iniciativas de inclusão social dos moradores. A meta estratégica é igualmente clara: tirar as favelas da marginalidade urbanística e social, e trazê-las para a normalidade da República.
Por isso, se causam preocupação as declarações de José Mariano Beltrame, de que as UPPs estão chegando a uma encruzilhada, não se devem buscar as razões do problema numa hipotética falência das unidades de intervenção. A chave para entender o sentido da entrevista do secretário de Segurança do Rio ao GLOBO está numa definição emblemática: "Nada sobrevive só com segurança. Não será um policial com um fuzil na entrada de uma favela que vai segurar, se lá dentro as coisas não funcionarem. É hora de investimentos sociais." O alerta é grave, porque toca no ponto crucial do programa das unidades pacificadoras - cuja presença nas áreas ocupadas é, por princípio, apenas a fase inicial, preparatória, de uma estratégia mais ampla, de reincorporação definitiva dessas regiões ao território da legalidade institucional.
É grave a ameaça de que um programa, até aqui bem-sucedido na área de segurança, atole nos descaminhos da omissão que sempre marcou as relações do Estado com as favelas. O risco para o qual Beltrame chama a atenção está na promessa até agora não cumprida - ou não atendida inteiramente - de uma "invasão social" do poder público, com uma rede de serviços e ações de cidadania que deveriam ocorrer em seguida à ocupação das comunidades.
A pacificação de 17 favelas, com a asfixia do tráfico de drogas e a desmobilização do crime organizado que nelas operava, é incontestável evidência do sucesso das UPPs, expresso nas estatísticas sobre a violência na cidade. Um êxito que, infelizmente, no segundo mandato do governador Sérgio Cabral estimulou o apetite clientelista de forças políticas ligadas ao aliado PT. Usando o projeto como moeda de troca fisiológica, esses grupos pressionaram o governo do estado a mudar o comando do programa na área social - o que ajuda a explicar, em parte, a lentidão das necessárias iniciativas que precisam ser empreendidas para consolidar o programa de inclusão social reclamado por Beltrame. É fundamental que se veja na advertência do secretário de Segurança um inadiável convite à ação e à integração dos organismos (estado, município, iniciativa privada) cuja participação é imperiosa nos atos de reinserção social das favelas pacificadas, e, por óbvio, naquelas por pacificar. E é crucial que os setores chamados ao compromisso o façam logo. Por enquanto, a encruzilhada à qual Beltrame se refere é um perigo virtual. Cumpre evitar que vire um real beco sem saída.
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