Por quatro votos a um, o Cade aprovou ontem a fusão entre Sadia e Perdigão que, em 2009, criou a BRF - Brasil Foods. A notícia fez as ações subirem 9,76% na Bolsa. Para autorizar a fusão, o Cade exigiu que 30% dos negócios com carne e alimentos processados da BRF no país, sejam vendidos a um único grupo, forçando a criação de um vice-líder. O impacto deve ser de R$ 1,7 bilhão ou 13% da receita. A empresa também deixará de faturar R$ 1,2 bilhão por ano com a suspensão de produtos da marca Perdigão por até 5 anos. Mesmo com restrições, analistas creem que a fusão prejudicará o consumidor
Concorrência forçada
Cade aprova Sadia-Perdigão mas exige criação de um vice-líder no mercado de carnes
Martha Beck e Bruno Rosa
Depois de dois anos de queda de braço no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Sadia e Perdigão conseguiram ontem que a fusão fosse aprovada e, dessa forma, a BRF-Brasil Foods, permanece como a maior empresa de carne processada do mundo. Por quatro votos a um, os conselheiros deram o sinal verde ao ato de concentração, mas impuseram fortes restrições aos negócios, para criar uma competidora com condições de assumir a vice-liderança do mercado doméstico. A BRF terá que se desfazer de ativos - 12 marcas, além de fábricas, abatedouros e centros de distribuição - que equivalem a 30% dos negócios da empresa no mercado de carnes no Brasil. Pelos cálculos da BRF-Brasil Foods, no entanto, o impacto será de R$1,7 bilhão ou 11% do faturamento.
Além de suspender a Perdigão em pelo menos dez mercados por até cinco anos, como antecipado ontem pelo GLOBO. Com isso, a empresa perde cerca de R$1,2 bilhão por ano. Todas as restrições se aplicam ao mercado de carnes e alimentos processados. O setor de lácteos não era alvo do processo de concentração.
O mercado recebeu bem a decisão do Cade. Os papéis da BRF-Brasil Foods - que só voltaram a ser negociados na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) após as 15h - fecharam em alta de 9,76%, a maior alta do Ibovespa.
Decisão foi a maior da história do Cade
Pelo Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) assinado, a Batavo, que também pertence à BRF, terá que ser retirada do mercado de carne processada por quatro anos. Segundo o conselheiro Ricardo Ruiz, que negociou as restrições com Sadia e Perdigão, a ideia do Cade foi criar condições para que o Brasil tenha uma outra empresa para fazer frente ao poder de mercado da BRF. Tanto que os ativos dos quais ela terá que se desfazer terão que ser vendidos a um único concorrente. A nova empresa terá capacidade de processamento de 730 mil toneladas anuais.
- A BRF ficou líder e nós criamos a vice-líder - disse Ruiz.
O prazo para a venda é sigiloso, mas a alienação dos ativos poderá ser feita em três situações. A BRF poderá vender para algum interessado. Se não houver solução, ela poderá fazer um leilão com preço mínimo para os ativos. Por último, poderá ser feito um leilão sem preço mínimo. Quem comprar é obrigado a manter estrutura e empregos intocados por seis meses.
O voto de Ruiz, que foi acompanhado pelos colegas Alessandro Octaviani, Olavo Chinaglia e Marcos Paulo Veríssimo, foi resultado de uma negociação intensa de quatro semanas que só terminou poucos minutos antes da sessão de julgamento. Advogados e executivos da BRF tiveram reuniões com o Cade quase que diariamente para chegar a um acordo que viabilizasse o ato de concentração.
Ao longo do processo de tramitação do caso no sistema brasileiro de defesa da concorrência, as empresas foram acusadas por técnicos do governo de se manterem irredutíveis numa tentativa de aprovar a fusão sem restrições. A negociação efetiva só começou depois que o conselheiro relator do processo de fusão, Carlos Ragazzo, apresentou um voto duro contra as empresas no mês passado e rejeitou o negócio. E mesmo diante das soluções negociadas com Ruiz, Ragazzo manteve sua posição.
Os demais conselheiros do Cade, Fernando Furlan e Elvino de Carvalho, estavam impedidos de votar no processo. Fernando Furlan é primo de Luiz Fernando Furlan, herdeiro da Sadia. Carvalho foi da Seae, outro órgão do governo que analisa defesa da concorrência antes do Cade, e, portanto, já tinha votado no processo da Sadia-Perdigão. Não é possível votar duas vezes num mesmo processo.
O Cade não quis arcar com o custo de rejeitar uma mega-operação como a da BRF. O Conselho briga na Justiça até hoje para fazer valer a decisão que vetou a compra da fabricante de chocolates Garoto pela Nestlé.
Ao votar, Chinaglia destacou que a criação da BRF foi o maior caso da história do Cade. Ele disse que o processo é polêmico, mas representa a consolidação dos anos de experiência do Conselho na área de defesa da concorrência.
- Como Cade, não temos nada contra a criação de grandes empresas desde que os critérios da lei de concorrência sejam respeitados - disse Octaviani.
- É um conjunto de medidas que me parece mais do que suficiente para criar um player que não existia nesse mercado. Me sinto confortável para aderir ao voto - disse o conselheiro Veríssimo.
A primeira solução apresentada por Ruiz foi a venda da marca Perdigão, mas a alternativa foi imediatamente rejeitada, uma vez que foi ela quem adquiriu a Sadia, que acumulara prejuízos com operações de risco no mercado de derivativos em 2008.
Se houver descumprimento do acordo, as penalidades previstas para a empresa vão de multa diária R$50 mil até a revisão da operação. Em casos de descumprimento em alguns itens que são confidenciais. A multa poderá chegar a R$25 milhões. Este valor também será aplicado a cada ponto percentual de participação de mercado que a BRF perder até a venda de seus ativos. Os recursos serão recolhidos em favor do Fundo Nacional de Direitos Difusos.
Mercado esperava mais restrições
Analistas, no entanto, ainda estão cautelosos quanto ao desempenho das ações da BRF-Brasil Foods daqui para frente. Leonardo Milane, estrategista da Santander Corretora, afirma que a decisão do Cade veio melhor do que as expectativas do mercado.
- As restrições foram menos severas do que o mercado estava esperando. Havia expectativa de que a empresa fosse obrigada a separar os ativos da Sadia e Perdigão - disse.
Assim como Milane, o analista da SLW Corretora Cauê Pinheiro lembra que o mercado, agora, irá fazer novos cálculos para calcular as sinergias operacionais entre as duas marcas, após a divulgação das restrições operacionais.
Ao avaliar a decisão do Cade como positiva para a companhia e os seus acionistas, Luis Gustavo Pereira, analista da UM Corretora, ressaltou que o mais importante foi o fato de que a empresa não terá de vender a marca Perdigão ou Sadia:
- Esse era o maior medo do mercado. O impacto (negativo) de 13% que a empresa terá na receita operacional será compensado pelas sinergias.
FONTE: O GLOBO
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