Reportagem do Estadão, de anteontem – “Governo trava pauta da Câmara no semestre” – mostra a que nível deplorável chegou a dependência ou subordinação institucional dos deputados federais ao Executivo. Subtítulo e texto de legenda da reportagem: “Pela primeira vez, deputados não tiveram um dia de votação livre de imposições do Executivo”. “Hegemonia – MPs e projetos enviados pelo governo com urgência impediram votação de praticamente todas as demais matérias”. Abertura: “O governo conseguiu um recorde no controle do trabalho da Câmara neste ano. Pela primeira vez na história do Legislativo, a pauta do plenário da Casa esteve trancada todos os dias do primeiro semestre. Ou seja, os deputados entraram em recesso, na sexta-feira (dia 14), sem ter tido a possibilidade de conduzir uma pauta livre da imposição do governo”. A matéria foi desdobrada em reportagem adicional – “Maia e Planalto se esmeram nos truques” - com o seguinte lead: “Além de segurar as votações, o governo tem outro instrumento para controlar a pauta e (só) liberá-la quando for conveniente. O Executivo pode retirar o regime de urgência ou revogar uma MP. Quando há interesse, o governo e o presidente da Câmara, Marco Maia (PTRS), têm uma série de medidas “criativas” para furar o bloqueio da pauta” (como a utilizada para uma resposta à crise dos bombeiros amotinados do Rio apenas com o parecer da Comissão de Constituição e Justiça, não submetido ao plenário). E ontem o jornal voltou ao tema com o editorial “Ditadura do Executivo”.
Este quadro de subordinação da Câmara – também dominante nas relações do Palácio do Planalto com o Senado (embora em escala menor e, por isto, o empenho do governo em nivelá-las) constitui o principal fator de aviltamento do papel do Congresso, a partir da usurpação das funções legislativos dos parlamentares, cuja erosão favorece a ampla predominância daquelas voltadas à disputa de verbas e outros benefícios para suas clientelas eleitorais e a uma atuação centrada na defesa de interesses corporativistas, quando não orientada basicamente para objetivos ilícitos. Perda de autonomia e desvio de funções que são os maiores responsáveis pela imagem muito negativa do Congresso na opinião pública, estreitamente associada à inoperância e ao fisiologismo, com um potencial de perigosas implicações políticas. Tudo isso reforçado e facilitado por uma amplíssima base governista.
A percepção da gravidade dessas anomalias institucionais e o propósito de enfrentá-las animam diversos parlamentares das duas Casas. Sobretudo vinculados aos partidos de oposição, mas também à base de apoio do governo, inclusive parte da cúpula do PMDB. Entre os primeiros destaca-se Aécio Neves que, com apoio de colegas de outras legendas, busca no Senado restringir o uso abusivo das Medidas Provisórias por meio de substitutivo (já aprovado na CCI – Comissão de Constituição e Justiça) a uma emenda do presidente José Sarney à proposta do Executivo que mantém as distorções do uso dessas Medidas. Trecho de artigo recente de Aécio, no Globo, sobre a votação do substitutivo. “Estaremos diante de uma escolha crucial entre o caminho da necessária recuperação dos princípios básicos que regem as prerrogativas essenciais do Congresso ou o adensamento de uma subserviência que não serve ao país”.
Jarbas de Holanda é jornalista
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