Os bons indicadores da economia constituíram o fator básico do respaldo social e político aos dois mandatos do ex-presidente Lula. Com força até para protegê-lo do megaescândalo do mensalão. E a persistência deles após a crise financeira internacional de 2008 – com base na chamada “política anticíclica” – assegurou a eleição da sucessora, inclusive minimizando o seu desgaste com os atos da substituta de confiança na Casa Civil, Erenice Guerra, envolvida num grosseiro favorecimento de familiares em negócios com recursos públicos. Bem como tem garantido a elevada popularidade da nova presidente e, assim, contido o descontentamento de crescentes parcelas de integrantes da base parlamentar governista com o “centralismo” de posturas e decisões adotadas na condução do Executivo. Que se expressa por pressões, predominantemente corporativas, relacionadas à partilha de cargos (centrada em petistas) e à falta da liberação do pagamento de emendas de deputados e senadores. E com reações políticas ou institucionais. Como as manifestadas contra a ameaça da demissão de ministros do PMDB, na votação do Código Florestal, que ela determinou ao então chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, transmitisse ao vice-presidente da República e presidente do partido, Michel Temer. Diante da escolha do ex-ministro esquerdista de Relações Exteriores, Celso Amorim, para substituir Nelson Jobim no comando direto das Forças Armadas. E pelo uso abusivo de MPs – Medidas Provisórias.
A “política anticíclica” acima referida baseou-se, como se recorda, num salto dos gastos públicos – os de investimentos contratados e em grande medida deixados como “restos a pagar”, enquanto os de custeio e de incremento do assistencialismo foram de fato realizados – de par com a ampliação da receita propiciada por enorme carga tributária. Alternativa eleiçoeira que tirou por inteiro da agenda do Palácio do Planalto reformas essenciais ao desenvolvimento sustentado do país – da infraestrutura e da logística, que se mantêm em precaríssimas condições, e da competitividade das empresas brasileiras pela redução dos enormes custos produtivos, por meio do reforço dos próprios mecanismos concorrenciais da iniciativa privada, e não através de um capitalismo de estado seletivo de parceiros ou de ilusório protecionismo.
A piora de tais indicadores será dificilmente evitada ou inevitável “num cenário global negativo nos próximos anos”, como admitiu ontem o próprio ministro Guido Mantega, da Fazenda, o mesmo que orientou ou ecoou a avaliação da crise financeira de 2008 como uma “marolinha”, feita pelo então presidente Lula. Principais efeitos internos, econômicos e sociais, dessa mudança de cenário (que só não serão maiores por causa do vigor das atividades privadas no Brasil): queda da taxa de crescimento do PIB, dos mais de 4% prometidos pela presidente para algo entre 3,5% e 3%, com desdobramentos correspondentes no nível de emprego; provável redução do volume e do valor das exportações de commodities (sobretudo as minerais); uma contenção forçada dos gastos públicos e porque a inflação continua acima do teto da meta e em face do elevado custo das despesas já contratadas, como as do impacto, do aumento de 14% do salário mínimo em 2012; pressão do Planalto por carga tributária ainda maior para compensar este impacto no contexto de queda da receita fiscal.
Será com as implicações desses efeitos numa progressiva erosão dos seus índices de popularidade que a presidente Dilma Rousseff vai ter que passar a relacionar-se com sua heterogênea e já bastante descontente base parlamentar, bem como com o conjunto das lideranças do Congresso, que poderá – em tal clima – recuperar ao menos parte da autonomia institucional, já quase zerada. Os problemas com os partidos da base vão manifestar-se agudamente já ante o bloqueio, pelo Executivo, nas duas casas do Legislativo, de duas propostas já nas vésperas de votação em plenário: a PEC 300, que aumenta os salários dos policiais e bombeiros de todo o país, e a Emenda 29 (a uma MP) que institui um piso de gastos com a saúde para as três esferas do poder público. Ambas as matérias contando com grande apoio nas bancadas da base situacionista, inclusive na do PT. E podem desdobrar-se, no final do ano, durante a votação da DRU – Desvinculação de Recursos da União, com a qual o governo tentará uma carta branca do Legislativo para usar livremente até 20% das verbas orçamentárias. As tensões na base governista tenderão a reforçar dois atores alternativos em relação à Dilma: um que ela seguirá aceitando com resignação - o ex-presidente Lula; outro que a deixará muito incomodada – o vice Michel Temer. Que, junto com parcela da direção peemedebista, poderá respaldar demandas e sobretudo oposicionistas, de recuperação da autonomia do Congresso.
Jarbas de Holanda é jornalista
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