Ministros do STF contra tribunal da Fifa
Proposta de uma câmara temporária de Justiça para tratar dos casos ocorridos durante o Mundial é criticada por integrantes do Supremo Tribunal Federal. Estrutura paralela ao Judiciário está prevista na lei geral do evento, em discussão no Congresso
Vinicius Sassine
"Vai ver eles até pensam em criar um segundo STF, um segundo STJ. É preciso respeitar as instituições pátrias." A opinião do ministro Marco Aurélio Mello reflete um posicionamento corrente no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os chamados tribunais de exceção, estruturas paralelas de Justiça que a Federação Internacional de Futebol (Fifa) pretende fazer funcionar no Brasil durante a Copa do Mundo de 2014. A proposta, que despertou polêmica na África do Sul durante a Copa de 2010, deverá se repetir no Brasil, a julgar pelo lobby da Fifa e pela disposição do governo federal em ceder à pressão. Na avaliação de Marco Aurélio, os tribunais de exceção não fazem qualquer sentido jurídico. O ministro do STF Gilmar Mendes também sinaliza ser contrário ao projeto: "Poderá ser necessária uma emenda constitucional para a instalação desses tribunais."
O Correio mostrou no último domingo que a Lei Geral da Copa, em tramitação na Câmara, abre brecha para a instalação de juizados especiais, varas, turmas ou câmaras especializadas em atender demandas judiciais decorrentes do evento esportivo. Seria uma estrutura paralela ao Judiciário tradicional, com funcionamento nas 12 cidades sedes da Copa. Assim, litígios decorrentes do evento — de uma simples ocorrência de furto a uma disputa comercial — seriam submetidos a regras diferenciadas. Na África do Sul, a Fifa impôs o modelo, que gerou controvérsias. Um exemplo foi o tratamento jurídico discrepante, dispensado pelos tribunais de exceção instalados em 2010, a turistas brancos e negros.
"Na área administrativa, tudo bem. Mas, no Judiciário, não há como pensar nisso. É uma coisa complicadíssima", afirma o ministro Marco Aurélio. Para ele, é "impossível" imaginar na estrutura do Judiciário brasileiro a instalação de tribunais de exceção durante a Copa do Mundo de 2014. "Como julgador e cidadão, vejo isso como impossível. Já temos uma organização judiciária. Cidadãos já têm seus direitos garantidos na Constituição."
Para o ministro Gilmar Mendes, os tribunais de exceção concorreriam com os juizados especiais já instalados, muitos deles voltados para as questões desportivas. Alguns passaram a funcionar dentro de estádios de futebol, para resolver, por exemplo, conflitos entre torcidas. "Em parte, as demandas da Copa já poderiam ser resolvidas com os juizados especiais. Seriam usados os existentes e outros seriam criados para atender determinadas demandas."
"Republiqueta"
A proposta dos tribunais de exceção é polêmica e, por essa razão, a Advocacia-Geral da União (AGU) não se posiciona sobre o assunto. "A AGU não irá se manifestar neste momento porque o assunto está em debate no Congresso Nacional", diz a assessoria de imprensa do órgão, em resposta ao Correio.
Para o ex-ministro do STF Carlos Veloso, a criação dos tribunais é inconstitucional. "Se o país se submeter ao pedido da Fifa, vamos passar o atestado de republiqueta de banana. Eles não pediriam isso aos Estados Unidos, à França ou à Inglaterra." Uma alternativa para solucionar o volume das demandas durante os jogos, segundo o ex-ministro, seriam as decisões de arbitragem. "É quando as duas partes elegem pessoas que vão formar uma comissão responsável por fazer o julgamento."
A comissão especial que vai analisar o projeto da Lei Geral da Copa será instalada hoje na Câmara
O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) será o representante dos tucanos na comissão. "Os tribunais de exceção são um privilégio jurídico sem exceção na nossa história", diz o deputado, que pediu um levantamento sobre a experiência dos tribunais na África do Sul e sobre a posição da Alemanha — que sediou a Copa em 2006 — em relação à proposta da Fifa.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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