terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Social-democracia e classe média por aí:: Wilson Figueiredo

Quando percebeu os primeiros sinais de que fim de governo nada tem a ver com o começo, o ex-presidente Lula se lembrou de que a classe média não é um sofisma social, como o pensamento marxista fazia crer no fim do século 19.

Como de hábito, Lula não estava a par da questão, mas foi apresentado ao pequeno-burguês e se certificou de que ele existe e, como já era tarde para voltar atrás, entendeu o papel inédito que lhe cabia em favor da estabilidade social, pela própria definição de social- democracia: qual seja, como povo. E fez-lhe uma barretada.

O acesso de qualquer brasileiro à classe média já estava garantido mediante três refeições por dia.

O revisionismo, que foi o berço da social-democrata, não lhe mereceu consideração, mas Lula entendeu que devia uma referência simpática à classe média, pois entre a burguesia e o proletariado, personagens clássicos, a pequena burguesia ganhou peso político e se encaixou na sociedade de consumo como lastro estabilizador da democracia no século 20. Com a chegada dos sovietes ao poder na Rússia, em 1917, a classe média foi depreciada pela ortodoxia marxista e lhe foi recusado o status de classe social. Não teve vida folgada na primeira metade do século 20 mas, na segunda, vista com outros olhos, reapareceu com outra cabeça e folgou no espaço disponível mediante reformas sociais, dado o custo exorbitante das revoluções.

Foi o mesmo no Brasil, onde nem revoluções nem reformas resolveram o impasse do atraso político.

Antes de assimilar a convicção social-democrata, a mais conservadora (e mais qualificada) tendência política nacional à época tomou emprestada a definição em 1946, mas nosso PSD, em vez de cuidar da social-democracia, praticou o que se chamou pessedismo, um modo tradicional de governar sem exagerar. Foi um passo sem sair do lugar, a marca do pessedismo.

Depois da ditadura seguinte (1964/1985) veio o PSDB com reformas oferecidas em leque, sem menosprezar a concorrência do PT nem esquecer a multiforme democracia.

Os dois mandatos petistas de Lula refletiram o anacrônico sestro ideológico: desconfiança em relação à classe média, que está para a democracia brasileira como o pré-sal para a economia, e boas relações como capital de giro. Lula e a moçada do PT confundiram, logo de saída, o social com o sindical. Mas, na aposta federal, acertaram no milhar. Nas três primeiras eleições presidenciais, o PT ficou em segundo lugar em todas. Depois, não perdeu nenhuma.

Mesmo assim, o petismo e o próprio Lula mantiveram hostilidade juvenil à social-democracia como ideia a que não foram apresentados.

Pelo visto, no entanto, em um mês a presidente Dilma Rousseff está se saindo uma social-democrata sem se dar conta. Porque o dilema do PT é não ser ortodoxo nem reformista. Ficou prisioneiro da hesitação. Quis inventar um Brasil do nada, como se não estivessem acumulados cinco século de mal contada História colonial.

A ascensão de Dilma Rousseff é o resultado de uma operação eleitoral que pode ter sido o ponto culminante do roteiro do ex-presidente, mas não está livre de consequências imprevisíveis para a ideia original de voltar em 2014. Ou, aproveitando a do Mundial de futebol, prevista para aquele ano, pode ter sido um gol contra. Não autoriza otimismo a variedade de raciocínios que se podem fazer dentro da normalidade.

O modo pelo qual a sucessora atende à expectativa dos brasileiros é um fenômeno sem precedente histórico: o primeiro mês de governo foi uma lição de civilidade no trato com bandidos, adversários e aliados de todos os calibres éticos.

Pode-se dizer, por elegância e consideração, que a presidente Dilma tem polimento social-democrático e sabe que ninguém ascende à classe média apenas por passar a fazer três refeições por dia.

Wilson Figueiredo escreve nesta coluna aos sábados e terças-feiras.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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