terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Mubarak manobra para ter apoio

A REVOLTA DO MUNDO ÁRABE

Ditador aproveita cansaço popular e aumenta em 15% salários de servidores públicos

Fernando Duarte

Simbolizado pela ocupação de uma praça, o movimento democrático egípcio agora se vê numa encruzilhada. Ao estudarem as ofertas do governo Hosni Mubarak para sentar-se à mesa de negociações - o que invariavelmente inclui a permanência do presidente no cargo até as eleições de setembro - a oposição se arrisca a bater de frente com manifestantes que insistem em ver a saída do ditador imediatamente. Irredutível em sua decisão de permanecer no poder, o líder octogenário anunciou um aumento a seis milhões de funcionários públicos, e o ex-poderoso ministro do Interior Habib el-Adly apareceu diante de uma Corte, acusado de não ter evitado a repressão violenta aos protestos populares.

O toque de recolher foi reduzido, passando a vigorar das 20h às 6h. Num outro aparente gesto de boa vontade, a agência estatal informou que o ex-ministro do Interior - responsável pela polícia - poderia ser julgado numa corte marcial por "remover as forças de segurança das ruas, determinar o uso de munição viva contra manifestantes e libertar prisioneiros das cadeias".

Mas, as reuniões de partidos políticos e ativistas com o vice-presidente Omar Suleiman se transformaram num assunto polêmico. Na Praça Tahrir, entre imagens como os dois bonecos caracterizados como Mubarak, pendurados em forcas, manifestantes não hesitam em falar sobre suas preocupações com as concessões ao mesmo regime que, na semana passada, usou até camelos para reprimir os protestos.

- Passei os últimos oito dias trabalhando sem parar com gente ferida por estar nas ruas acreditando na derrubada do regime. Será uma traição se os políticos aceitarem o convite de Suleiman e a permanência de Mubarak - diz Randa, uma enfermeira de 39 anos.

A desconfiança popular é um obstáculo também para os esforços de normalização da vida cotidiana. Ciente disso, ontem, enquanto manifestantes insistiam em sentar-se na frente de tanques e tropas do Exército, Mubarak conseguiu reunir seu novo Gabinete pela primeira vez. Segundo a agência estatal Mena, o presidente aprovou um plano para aumentar o salário dos servidores públicos em 15% já a partir de abril.

Mesmo os aposentados também seriam beneficiados, recebendo uma verba de pelo menos US$940 milhões - numa manobra que, além de tentar aquecer a economia, visa, ainda, a conquistar apoio popular. No centro do Cairo, no entanto, os manifestantes reagiram à decisão cercando o Mugamma, um dos maiores prédios do governo na região, considerado o centro nervoso da burocracia egípcia.

Egito pede desculpas por prisão de brasileiros

O fato de as multidões nas ruas estarem diminuindo sensivelmente nos últimos dias também sugere que há egípcios um pouco cansados do estado de animação suspensa em que o país se encontra desde o final de janeiro. Ontem, embora a capital já tivesse recuperado um pouco de normalidade, com a volta até das charretes oferecendo passeios pelas pontes sobre o Nilo, os bancos tinham filas quilométricas e limites nos saques para evitar retiradas de pânico. A Bolsa de Valores do Cairo, fechada desde o dia 27, só reabrirá no próximo domingo.

Além de causar ainda mais engarrafamentos para o já caótico trânsito egípcio, o fechamento dos arredores da Praça Tahrir também vem representando dor de cabeça para comerciantes da região, sobretudo os que já sofrem com o êxodo dos turistas - de acordo com números do governo, o Egito perdeu um milhão de visitantes com a crise política. Autoridades como o premier Ahmed Shafiq apelaram para que as pessoas acampadas na praça voltem para casa.

- Não vou me mover enquanto nosso presidente hipócrita estiver no poder. Do contrário, o sacrifício da vida do meu filho e dos outros mártires terá sido em vão - declarou o pintor Sobhy Hassan, que perdeu o filho, Abdul, morto pela polícia numa manifestação na cidade de Suez.

Em Brasília, a embaixada do Egito entregou uma carta ao Itamaraty pedindo desculpas pelo constrangimento vivido pelos jornalistas Corban Vosta, da Rádio Nacional, e Gilvan Rocha, da TV Brasil, presos e deportados ao Brasil.

"O tratamento foi totalmente lamentável e inaceitável, e gostaríamos de pedir desculpas por quaisquer inconvenientes", diz o documento.

Colaborou: Eliane Oliveira, de Brasília

FONTE: O GLOBO

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