A intenção parece boa, mas, como delas o inferno está repleto, convém prestar atenção às razões apresentadas na Câmara e no Senado para a criação da CPI mista destinada a investigar as armações ilimitadas das organizações Cachoeira em parceria com representantes do Legislativo, Judiciário, Executivo, imprensa ou quem mais tenha privado da convivência do contraventor.
Até agora só o que se ouve são contabilizações de custos e benefícios políticos.
De um lado o PT vê a possibilidade de constranger o PSDB na figura (por enquanto) do governador Marconi Perillo (GO), de misturar todas as farinhas no mesmo saco ante a proximidade do julgamento do processo do mensalão e de dar uma estocada no procurador-geral da República, que recentemente classificou o caso como "grave agressão à democracia".
Roberto Gurgel seria questionado sobre as razões pelas quais levou dois anos para dar seguimento às denúncias contra Demóstenes Torres, procurador de profissão.
De outro lado, a oposição enxerga a possibilidade de criar embaraços ao PT na pessoa (por ora) do governador Agnelo Queiroz (DF) e fazer resvalar lama no Planalto, onde já se detectou a presença de um interlocutor de preposto de Cachoeira, sem contar a hipótese de fazer emergir relações de empreiteiras com negócios oficiais e trânsito junto ao bicheiro.
Surge também o deputado Protógenes Queiroz na cena, em suspeitíssima troca de informações e orientações com um estafeta do contraventor, especializado em espionagens e produção de dossiês com serviços prestados a comitês de campanhas eleitorais.
A cada dia aparece um novo personagem, uma nova gravação. Levantam-se suspeitas sobre esse ou aquele, numa tão intrincada quanto ampla rede de traficâncias de extensão ainda desconhecida.
Profunda e obscura o suficiente para uma juíza declarar-se impedida de julgar o pedido da habeas corpus alegando ser oriunda de Goiás e, por isso, ter tido em algum momento contato pessoal ou profissional com autoridades do estado, todas elas, segundo o governador Perillo, mantenedoras de relações com o chefão do jogo.
Não convém esquecer um detalhe até então deixado de lado: a tentativa de legalização dos bingos, em 2010, que acabou derrotada na Câmara, mas contou com 144 votos numa sessão permeada por acusações explícitas de que corria dinheiro da contravenção no ambiente.
Não é preciso muita reflexão para concluir quem transitou por esse terreno na defesa da liberação da jogatina.
É de se ver de que maneira será organizada e operacionalizada essa CPI mista que tanto entusiasmo provoca, mas cujos objetivos ainda não estão claros – se pretendem explicar ou simplesmente confundir, a fim de que todos os gatos sejam considerados pardos.
Anencefalia. Sobre a experiência emocionalmente massacrante que significa carregar um feto sem cérebro por nove meses até o nascimento sem perspectiva de vida, só quem viveu (ou vive) de perto pode dizer. E, por conseguinte, decidir.
A invocação da religiosidade como argumento contrário à interrupção da gravidez de anencéfalos é contraditória, pois não há como enxergar espiritualidade onde impera a inflexibilidade.
No caso em exame pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente cruel, já que tal posição, a prevalecer, torna reféns da tragédia apenas mulheres que não têm dinheiro para minorar seus efeitos de resto já instalados desde o diagnóstico.
As que optam por seguir até o fim o fazem por convicção. É uma escolha. O contrário configura imposição passível de condenação.
A equiparação do aborto terapêutico a aborto eugênico não parece tampouco apropriada. A ninguém ocorre, por exemplo, considerar assassinato a decretação da morte cerebral de alguém para efeito de transplante de órgãos.
Não se trata, como dizem alguns, do descarte de um ser vivo com "anomalias". Trata-se de um ser desprovido do órgão sede dos atributos definidores da existência de vida.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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