Com a redução, positiva, do protagonismo terceiro-mundista do ex-presidente Lula (bem configurado em ações do Itamaraty como as de virtual intervenção em Honduras nos episódios do afastamento do presidente Manoel Zelaya pelo Congresso e da eleição democrática do sucessor, e as de sucessivos passos de apoio ao programa nuclear do Irã), apesar dessa redução a política externa do governo Dilma Rousseff mantém muito da retórica esquerdista, do velho anti-imperialismo, predominante na fase anterior. Presente agora no respaldo que concretamente tem dado ao regime sanguinário de Bashar Assad na Síria e à ditadura cubana dos irmãos Castro. Retórica temperada pela troca da ênfase assistencialista às nações mais pobres da África (em busca de afirmação internacional da liderança de Lula) por maior atenção às relações econômicas estatais e de empresas brasileiras com governos e mercados de países africanos e da América do Sul, com pro-jetos de crescimento.
A visita da presidente Dilma aos EUA e o longo encontro que teve com o colega Barack Obama, nesta semana, de um lado refletiram essa troca e de outro indicaram seus limites. A importância das relações comerciais com os americanos ficou bem clara para a presidente – centrada na “luta contra a desindustrialização” – com o aumento de 41% no primeiro trimestre das nossas exportações para eles. Isso com grande peso das manufaturas (máquinas, aparelhos e materiais mecânicos e elétricos, bem como de produtos derivados do petróleo), ao invés das vendas para a China, basicamente de minerais e produtos agrícolas. Quanto aos dividendos objetivos da visita, os expressivos fo-ram a abertura regular do mercado para a cachaça brasileira (a partir de agora com sua própria denominação) e o acerto de parceria em pesquisas de energias limpas (etanol), bem como para cooperação em ciência e tecnologia, inclusive na área de aviação através da Boing e da Embraer (embora sem influência para uma retomada da presença desta em grande concorrência do Departamento de Defesa para compra de aviões militares de pequeno porte). A prática de tal cooperação deverá viabilizar o bom projeto da presidente Dilma do envio de estudantes e pesquisadores brasileiros para cursos de especialização na consagrada universidade Harvard, além de convênio entre o nosso ITA e do MIT, Instituto de Tecnologia de Massachussetts para pesquisas aeroespaciais. Por outro lado, serão abertos mais dois consulados americanos no Brasil, e Barack Obama prometeu empenhar-se para livrar turistas e empresários brasileiros da exigência de vistos para entrada nos EUA.
Quanto aos limites da pauta de temas tratados – a qual foi avaliada como muito modesta pela maioria dos analistas – decorreram certamente em grande medida das divergências entre os dois governos sobre política externa. Divergências que a formação esquerdista e os compromissos partidários de nossa presidente evidenciaram com suas cobranças de suspensão do bloqueio econômico (na verdade parcial) dos EUA a Cuba e críticas às pressões para a queda do regime de Bashar Assad. Já no plano das relações comerciais, sem passar recibo das medidas protecionistas que tem tomado, Dilma fez questão de apontar o “tsunami financeiro” da Europa do euro e sobretudo dos EUA como responsáveis pela queda das exportações industriais do Brasil e mais países emergentes, mais uma vez relativizando ou ignorando o papel da China com sua moeda subvalorizada e os baixíssimos salários lá vigentes. A explicitação de tais divergências e cobranças obviamente explica, além da pauta restrita da visita, a persistência, no governo Obama, da falta de apoio dos EUA ao pleito de um assento do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.
“Diplomacia da cachaça” – Conclusão do editorial de ontem do Estado de S. Paulo, com o título acima, sobre a visita: “A presidente Dilma Rousseff voltou a tocar num dos temas prediletos da diplomacia petista, insistindo na participação de Cuba nos eventos diplomáticos do hemisfério, como a Cúpula das Américas, marcada para este fim de semana em Cartagena, na Colômbia. Pelo menos a política nuclear do Irã ficou fora da conversa, segundo a presidente. Talvez tenha faltado tempo. Houve referências à possível participação americana em projetos brasileiros de infraestrutura e na exploração do présal. O tema é importante, mas a conversa parece ter ficado nas generalidades. A visita serviu principalmente, segundo alguns analistas, para mostrar uma evolução nas relações bilaterais, agora menos tensas que no período do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pode ser, mas essa melhora pouco valerá sem uma agenda econômica mais ambiciosa e muito mais pragmática”.
Jarbas de Holanda é jornalista
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