Em defesa da aposentadoria compulsória dos ministros do STF, o deputado Ulysses Guimarães justificou-se: "Meus caros, o Supremo não tem rampa"
A campanha eleitoral agora pegou embalo, tanto na propaganda eletrônica quanto nos atos de rua. Os indicadores das pesquisas se movem, em sinal de que o eleitorado começou a se posicionar. Muita água ainda correrá em setembro, mas, nos últimos dias, pelo menos um axioma, muito repetido, começou a ser desmontado: o de que o julgamento da Ação Penal 470, do chamado mensalão, teria um efeito devastador para os candidatos do PT.
A última semana de agosto, com o primeiro revés sofrido pelo partido no STF, a tripla condenação do deputado João Paulo Cunha, trouxe o empate técnico entre o candidato tucano à Prefeitura de São Paulo, José Serra, e o petista Fernando Haddad. Foi apostando no efeito negativo do julgamento para os candidatos do PT, e na retração da economia, que os tucanos empurraram seu mais notável quadro para a disputa pela prefeitura. A subida de Haddad e a queda de Serra coincidiram também com a divulgação de um crescimento decepcionante da economia no segundo trimestre, de mero 0,4%, indicador de que há recuperação, mas em marcha lenta. Em São Paulo, é Celso Russomanno, do PRB, que lidera a disputa. A busca de novidade pelo eleitor certamente ajuda a explicar esse sucesso. Mas se Russomanno for, como especulam os analistas, um "cavalo paraguaio", desses que disparam na largada mas perdem o galope na reta final, o tucano e o petista vão ao segundo turno. E isso confirmará a intuição do ex-presidente Lula ao bancar o nome de Haddad, alegando que o eleitor estava farto dos nomes tradicionais da política paulista. O julgamento inviabilizou até agora apenas a candidatura do primeiro condenado, o deputado João Paulo, que renunciou em Osasco. De resto, os candidatos do PT cresceram ainda em Porto Alegre, Fortaleza, Campinas e outras cidades médias. Até aqui, portanto, para o eleitor, campanha e julgamento ocorrem em mundos ou tempos distintos.
A importância das eleições municipais, entre nós, ora é superlativizada, ora minimizada. Nem ao céu, nem ao mar. O resultado deste ano não comandará a disputa de 2014, mas terá impactos sobre ela. No bloco hoje dominante, a disputa entre candidatos do PT e do PSB dificultará a manutenção da aliança entre os dois partidos que caminham juntos no plano federal desde 1989. Na sexta-feira, o ex-presidente Lula participou de comício em Belo Horizonte, apoiando o candidato Patrus Ananias contra o prefeito Marcio Lacerda (PSB), apoiado pelo senador tucano Aécio Neves. No Recife, o candidato do governador Eduardo Campos, Geraldo Júlio (PSB), encostou no petista Humberto Costa e estaria para ultrapassá-lo. Lula aterrissa por lá nos próximos dias, seguindo para Fortaleza, onde o candidato do PT, Elmano de Freitas, e o do PSB, Roberto Cláudio, apoiado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, cresceram trocando socos e agora estão empatados. Contados os votos, petistas e socialistas terão um inventário de cicatrizes a separá-los.
João Paulo recorrerá. "A hora é de ficar calado", disse o deputado João Paulo Cunha, depois de renunciar à candidatura municipal em Osasco. Seu silêncio tem razão prática e forte. Ele deve recorrer da condenação por lavagem de dinheiro, valendo-se do artigo 333 do Regimento do Supremo, que admite o recurso quando ocorrem pelo menos quatro votos divergentes. Votaram por sua absolvição, nesse quesito, os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello. A ministra Rosa Weber optou por externar seu voto mais adiante. Os outros seis votaram pela condenação. Não cabe recurso em relação às outras duas condenações, mas a supressão de uma ajudaria a evitar uma pena que leve ao regime fechado.
O traço feito. Medindo as palavras, o mais falante ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello, disse-nos, a alguns jornalistas, no intervalo da sessão de quinta-feira: "Está havendo uma virada importante no tribunal". Cobrado a explicar melhor, referiu-se a uma convergência, entre os ministros, para posições mais rígidas em matéria moral. O pouco que disse confirma o que o preocupa os meios jurídico e político: o papel de justiceiro ético tende a sobrepor-se ao de guardião das garantias constitucionais, levando o STF a flexibilizar dogmas, como o de que o ônus da prova cabe ao acusador ou a exigência de ato de ofício na condenação por corrupção passiva. Por tudo, alguns réus e seus advogados já se preparam para o pior.
Sem rampa. Discutia-se, na Constituinte, o capítulo do Judiciário. Em defesa da aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo aos 70 anos, o deputado Ulysses Guimarães justificou-se: "Meus caros, o Supremo não tem rampa". Com frequência, ele usava a metáfora da rampa em referência ao rodízio nos poderes Executivo e Legislativo. Por vontade do povo, a cada quatro anos uns descem e outros sobem a rampa. Não no STF, onde a dureza dos ministros indicados por Lula e Dilma confirma a necessária independência garantida pela ausência da rampa de descida. Nas despedidas do ministro Cezar Peluso, quase todos criticaram a aposentadoria compulsória, que lhes tira a vitaliciedade. Mas no Congresso, se fosse votada hoje a emenda constitucional a respeito do tema, seria para introduzir o mandato temporário dos ministros, admitida uma recondução, como ocorre em alguns países.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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