Ganhou corpo no Supremo, já contando com cinco votos, a inclinação para determinar
a perda automática dos mandatos pelos condenados. O duelo está marcado.
A semana promete temperaturas elevadas. Na terça-feira, o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, falará na Câmara sobre a Operação Porto Seguro,
que excita o campo anti-Lula pelo envolvimento da ex-chefe de gabinete do
escritório da Presidência em São Paulo com uma rede que traficava influência em
órgãos federais. Sua proximidade com Lula anima os praticantes do tiro ao alvo
contra o ex-presidente. Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF),
finalizando o julgamento do mensalão, decidirá sobre a perda dos mandatos dos
deputados condenados. Eventos laterais, como a votação do relatório, agora
desidratado, da CPI do Cachoeira, ajudam a esquentar o ambiente. E vamos assim
mergulhando numa política pautada pela polícia, o Ministério Público, as CPIs e
o Judiciário, e não pelo confronto de ideias e projetos.
Começando pelo que fará o Supremo, se não houver alguma mediação entre a
Corte e o Congresso, assistiremos a uma tensão entre Poderes — para evitar a
palavra crise — sem precedentes depois da redemocratização. Desde que o
ex-ministro Cezar Peluso se aposentou em agosto, e ao antecipar a pena para o
deputado João Paulo Cunha (PT-SP), nela incluiu a perda do mandato, o presidente
da Câmara, Marco Maia (PT-SP), vem advertindo que a cassação é uma prerrogativa
da Câmara. Simultaneamente, ganhou corpo no Supremo, já contando com cinco
votos, a inclinação para determinar a perda automática dos mandatos pelos
condenados. O duelo está marcado.
Marco Maia não preconiza, com sua posição, que eles não devam ser cassados.
O que ele defende é a observância do artigo 55 da Constituição, que reserva às
Casas do Congresso a prerrogativa de cassar mandatos em seis situações. Em
alguns casos, a decisão será da Mesa, em outros, dependerá de aprovação da
maioria absoluta, por voto secreto, rito que se aplicaria ao caso de deputados
condenados, com pena já transitada em julgado. Ou seja, os constituintes
entenderam que os condenados devem enfrentar o processo de cassação, mas
conduzido pela Câmara, e não por determinação do Supremo.
O ministro Marco Aurélio, um dos cincos que defendem a guilhotinagem pelo
Supremo, acha que esse rito não se aplica quando a cassação integra a própria
pena imposta ao réu. Mas boa parte do Congresso e do meio jurídico acha que
cassação não é pena. Deve ser consequência da condenação, mas aplicada pelas
casas parlamentares. Se, pela primeira vez na História, o Supremo cassar
mandatos, estará sobrepondo-se ao Legislativo, quebrando a independência entre
os Poderes. Tem se recordado, indevidamente, o caso de Chico Pinto, combativo
deputado do MDB na ditadura. Em 1974, o STF, vergonhosamente, curvou-se aos
generais, condenando-o a seis meses de prisão por ter chamado Augusto Pinochet,
que visitava o Brasil, de ditador. Mas quem o cassou, também vergonhosamente,
foi a Mesa da Câmara, controlada pelo regime. O presidente-relator, Joaquim
Barbosa, que até aqui ganhou todas no julgamento em curso, está determinado a
promover mais essa inovação. Uma evidência de que o procedimento seria inédito
está no fato de que, em 2010, o Supremo condenou o deputado Natan Donadon a 13
anos e 4 meses de prisão, por formação de quadrilha e peculato em Rondônia,
antes de eleger-se. Não lhe tirou o mandato nem a Câmara deu início ao processo
de cassação: por conta dos recursos, não se concluiu ainda o trânsito em
julgado. Mas fará isso, quando for a hora.
O que pode acontecer se, na quarta-feira, o STF determinar a perda de
mandato pelos deputados João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry? A
decisão de Marco Maia está tomada: não dará início ao procedimento enquanto os
trâmites do julgamento não estiverem concluídos, o que pode levar alguns meses,
por conta dos recursos. Os três deputados permanecerão na Casa e a eles se
juntará, a partir de janeiro, José Genoino, que assumirá como suplente. Como
reagiria o STF? Um dos ministros especula, reservadamente, que o tribunal
poderia processar o presidente da Câmara por "descumprimento de preceito
fundamental" nos termos do parágrafo primeiro do inciso III do artigo 102
da Constituição. Um verdadeiro angu institucional.
Mas há outra curva no caminho. Se a demanda persistir até fevereiro, quando
será eleito o sucessor de Maia, o tema das cassações certamente contaminará um
processo que começa a dar sinais (pelo surgimento de duas candidaturas avulsas)
de que pode não ser pacífico.
Em outros tempos, nessas horas entravam em cena bombeiros e mediadores
acreditados juntos aos dois lados. Mas tais figuras já não existem na política
atual do pugilato, que faz piscar a luz vermelha no painel da vigília
democrática.
Independência. Vivemos num país animado, onde quatro instituições do Estado, em nome da independência
(que deve ser operacional, mas não política) fazem o que bem entendem: a
Polícia Federal, a Receita Federal, a Advocacia-Geral da União e o Ministério
Público. Seus servidores, premiados com as invejadas "carreiras de
Estado", agem como nobiliarquia do serviço público, como se viu na greve
de julho. O ministro da Justiça ignorava a Operação Porto Seguro. Da Polícia
Federal vem a informação de que o chefe do Gabinete de Segurança Institucional,
general José Elito, teria sido informado dois dias antes das buscas e
apreensões no escritório presidencial. Teria avisado Dilma? Se ela não soube, é
grave. Se ela soube e deixou correr, está aí um elemento que, pela primeira
vez, pode tisnar as relações com Lula. Some-se o fato de que, ao demitir Rosemary,
decidiu também extinguir o cargo que ela ocupava, como a dizer que ele era
desnecessário. E, por fim, teria dito um "se quiserem convocar,
convoquem", apesar de todo o esforço do PT para evitar depoimentos dos
investigados menos graduados.
Fonte: Correio Braziliense
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