sábado, 19 de maio de 2012

O desvio do PT :: Marcelo Mário de Melo

Nada a dizer sobre os partidos de direita e centro-esquerda que sempre foram exclusivamente eleitorais e mantêm o seu perfil. Mas o PT é um caso a se considerar, pois surgiu com uma forte influência dos movimentos sociais e criticando o modo de agir dos demais partidos. Propôs a participação das bases, com a incorporação de milhares e milhares de cidadãos e cidadãs ao processo político. No seu Manifesto Programa, de 1980, está escrito que a atuação nos meios institucionais não eliminaria a participação nos movimentos sociais e sua mobilização. A inflexão nessas duas vertentes se apresentava como o elemento diferencial e inovador, a cara do PT.

Com o tempo, o PT também resvalou para o exclusivismo eleitoral e as articulações de cúpula, relegando ao segundo plano, ou mesmo extirpando da sua dinâmica, o processo de organização e mobilização “nos locais de moradia, nos locais de trabalho e nos movimentos sociais”, conforme se ouvia nas rodas militantes nos anos 80 do século passado. Essa mudança de foco trouxe profundas repercussões na vida partidária, pois a feição organizativa de qualquer instituição é moldada pela sua prática cotidiana. Segundo o dito popular, “o hábito do cachimbo faz a boca torta”. E o PT entortou, sob os efeitos desse desvio político.

Houve um tempo em que os órgãos de direção partidários e as assembleias eram as instâncias em que se discutiam as articulações políticas maiores, as estratégias eleitorais, as candidaturas, etc. Era comum militantes fazerem referência a “o partido”. Com os primeiros parlamentares eleitos, uma nova instância de influência e poder surgiu e foi crescendo. E se passou a ouvir militantes se referirem a “o mandato”, com um evidente encolhimento da sua visão e da sua fidelidade política. Os gabinetes parlamentares passaram a agir com autonomia e a adquirir mais peso do que as direções partidárias. A chegada aos cargos executivos, com o seu maior poder de influência, caneta e caixa, desencadeou um processo avassalador de invasão de atribuições e sujeição das direções partidárias. Elas passaram a funcionar como correias de transmissão dos interesses de governo, e não como direções políticas, responsáveis pelo controle do desempenho dos seus militantes nas diversas frentes de atuação, incluindo-se aí os seus representantes no Parlamento e no Executivo. Como decorrência, escapou-lhes das mãos a coordenação dos processos sucessórios. No mais tradicional estilo do caciquismo, um prefeito, governador ou presidente, passou a se achar com o direito de indicar o seu sucessor e a coordenar a campanha eleitoral, como se a candidatura pertencesse a ele, e não ao partido e a um conjunto de forças partidárias e não partidárias.

A reboque dos executivos, as instâncias dirigentes passaram a ter como foco principal de atuação as eleições bienais da República e, nos intervalos, as eleições internas, cujos resultados determinam o controle dos diretórios, a indicação de candidaturas e o acesso a recursos financeiros, na sua maior parte utilizados em campanhas eleitorais e quase nada destinados ao fortalecimento da estrutura partidária e à qualificação da militância. Vejam-se a precariedade dos diretórios – e a inexistência dos diretórios zonais – , sem funcionamento regular, sem estrutura de comunicação, sem preparação de atas ou, ao menos, de súmulas das reuniões.

Dentro desse padrão, com as direções partidárias destituídas das suas funções políticas maiores e restritas às mobilizações eleitorais, convenhamos que as coisas têm andado razoavelmente, com o reforço do serviço de marketing e da “militância” paga. Mas o fato de a atuação dos militantes junto aos movimentos popular e sindical, suas lutas e mobilizações, não integrarem mais as pautas das reuniões, retira um elemento diferencial importante e nivela por baixo o PT, sob o denominador comum do eleitoralismo. Essa autossatisfação com os jogos da política convencional enfraquece a formação de uma pressão democrático-
popular independente e garantidora do alargamento e da velocidade dos processos políticos transformadores. E eleva o poder de barganha das forças mais atrasadas que integram alianças políticas e ocupam espaços governamentais.

Marcelo Mário de Melo é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO, 18/5/2012.

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