O mais ambicioso plano de reformas sociais e econômicas da China, anunciado há uma semana, encaminha o país para o capitalismo de mercado, superando a fase de investimentos maciços e poupança para dar prioridade ao consumo interno. É justamente o caminho inverso do Brasil, que precisa sair de uma economia consumista para dar prioridade aos investimentos de infraestrutura e à poupança interna de longo prazo. As reformas permitirão que os agricultores transfiram suas terras (antes pertencentes ao Estado) e, ainda, dá-las como garantia.
Ou seja, “podem usar, beneficiar e transferir suas terras” e também “lucrar” com sua valorização. Essa alteração tem a ver também com a permissão à migração rural, começando pelas cidades menores. A previsão é que ocorra rápido desenvolvimento econômico, com os trabalhadores recebendo melhores salários num mercado de trabalho urbano competitivo. Eles poderão vender suas terras e mudar para cidades maiores com melhores ofertas de trabalho.
Poderão também abrir seus próprios negócios usando suas terras como garantia para empréstimos bancários. Haverá também implicações no mercado imobiliário, com a construção de casas adequadas às necessidades dos novos proprietários. Qualquer “investidor privado” (escrito assim mesmo) poderá recorrer ao “seguro de depósito”, que melhora sua garantia perante os bancos.
E o Banco Central já havia removido os controles sobre as taxas de empréstimo. Vai ser criado, para estar funcionando no início de 2014, um sistema de seguros para dar a investidores privados “qualificados” condições de investir em vários campos, como distribuição de energia e até mesmo exploração dos recursos naturais, hoje controlados pelo governo, inclusive a água.
As bolsas de valores estimularão lançamentos de novos projetos, e o objetivo é que o setor não estatal assuma cada vez mais um papel centrai na economia chinesa. As empresas estatais, por sua vez, terão de pagar dividendos maiores ao Estado, o que as obrigará a ter lucro. Ou a fechar, na sua ausência.
Essa parte da reforma, porém, é a que deverá ser mais lenta, já que a estrutura estatal da economia chinesa é muito grande e forte, inclusive politicamente. No comunicado oficial, diz-se claramente que empresas dirigidas pelo Estado serão sempre as formadoras das políticas sociais da república. As maiores estatais pagam de 5% a 20% dos seus lucros como dividendos ao governo.
Análise da Bloomberg mostra como essas mudanças na China correm risco, pois põem em xeque vários interesses estabelecidos: as próprias estatais, governos locais, bancos, autoridades responsáveis pela segurança interna e, no limite, o Partido Comunista chinês. O paradoxo é que, ao mesmo tempo em que a China não pode continuar crescendo no modo atual, correndo o risco de fraturas sociais e econômicas se as reformas não fossem feitas, promovendo as reformas, o Partido Comunista está diluindo seu controle e pode perder a capacidade de manipular os cordéis.
Isso acontecerá à medida que os empréstimos passem a ser feitos por bancos privados: a capacidade de orientar o crescimento da economia pode ficar prejudicada se a iniciativa privada passar a decidir investir em áreas controladas por empresas estatais. O Partido Comunista perderá também aos poucos a capacidade de controlar os cidadãos, já que a política migratória será flexibilizada, e eles poderão mudar para onde quiserem.
Há também entre os analistas a previsão de que haverá mudança fundamental na sociedade ao cabo de alguns anos, com as cidades sendo povoadas por novo tipo de cidadão, menos disposto a obedecer cegamente ao Estado. Os preços de combustíveis, eletricidade) e outras fontes de energia, hoje distorcidos pelas decisões burocráticas, serão decididos pelo mercado, o que dará mais poder aos cidadãos.
Fonte: O Globo
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