domingo, 24 de novembro de 2013

Depois do dilúvio - Tereza Cruvinel

O futuro dirá se as prisões são fatos inaugurais de um novo padrão jurídico e político ou se serão punições isoladas, em grande parte fomentadas pela luta política

Por mais previsíveis que fossem, as prisões da semana passada constituíram um fato excepcional, que explica tanto o júbilo dos indignados sinceros como a revolta dos petistas, afora a jactância de seus adversários. Pela primeira vez, os brasileiros viram ser presos dirigentes do partido que está no poder, com o detalhe de que escreveram suas biografias na luta democrática. Com eles, uma banqueira e nomes que já luziram na cena publicitária. O futuro dirá se elas são fatos inaugurais de uma nova era no padrão jurídico e político ou se não passarão do tal ponto fora da curva, de punições isoladas, em grande parte fomentadas pela luta política.

Do que terá mudado ou não, na distribuição da Justiça, levaremos algum tempo para saber. Os próprios prazos do Judiciário serão usados para justificar a ausência de novas ações exemplares contra transgressores que tenham ficha na elite política, vale dizer, em outros partidos, ou registro na elite econômica, como os muitos empresários e banqueiros que nunca foram julgados, ou estão condenados, mas nunca foram para a cadeia. Vem aí um ano eleitoral , e isso servirá de desculpa para adiar o julgamento de outros casos de corrupção, sob o argumento de que poderiam influir nas eleições.

Mas dos efeitos das prisões de Dirceu, Genoíno e Delúbio sobre a cultura política e eleitoral, teremos prova já no ano que vem. Nas eleições gerais, nada aponta para mudanças. Tudo sugere que teremos mais do mesmo. De 2005 para cá, todas as tentativas de mudança no sistema político foram rejeitadas pelo Congresso. Se as regras não mudam, os políticos não mudarão por mero compromisso com a virtude. Política é disputa, que no Brasil passou a ter como arma o dinheiro e não as ideias. Além de uma acirrada competição pela Presidência, que o PT estará ocupando há 12 anos, 2014 nos promete campanhas caríssimas para o Congresso, com os candidatos a deputado disputando com os próprios colegas de partido, em função de nosso sistema nominal, em domínios eleitorais vastos como alguns estados. Continuará sendo baixíssima a transparência, no que toca ao financiamento das campanhas com recursos essencialmente privados e ocultos. Por razões diversas — desde a necessidade de esconder lucros não declarados ao temor de ficar mal com os outros partidos e candidatos — os empresários/doadores brasileiros gostam mesmo é de doar para um caixa dois.

O caso mensalão, por qualquer lado que seja olhado com alguma honestidade intelectual, tem a ver com caixa dois e sistema político. Tivesse o PT, em 2002, repetido na eleição parlamentar a vitória que obteve para a Presidência, não teria ficado refém dos pequenos partidos. E assim seguirá sendo: por mais votos que receba um candidato a presidente, não terá maioria na Câmara. Com 32 partidos na disputa, a pulverização torna a maioria uma quimera. Tenha havido compra de votos ou acordos eleitorais honrados pelo caixa dois, a origem do problema é a mesma: nosso sistema político leva a um concubinato apelidado de presidencialismo de coalizão, que compra a governabilidade a qualquer preço: nomeações, favorecimentos, fisiologismo, mensalões.

Na quarta-feira passada, com as prisões do 15 de novembro reverberando fortemente no Congresso, o Senado aprovou o texto final de uma minirreforma eleitoral que não tocou em nada disso. O líder democrata José Agripino bem definiu-a como um “TAC eleitoral”. Um termo de ajustamento de conduta entre partidos sobre o que poderá ou não ser usado na campanha: bandeira pode, cavaletes não! Mas cabos eleitorais poderão ser contratados, no limite de um para cada mil eleitores nas cidades com mais de 30 mil eleitores. Já imaginou o leitor quantos cabos eleitorais serão contratados no país inteiro, numa eleição para tantos cargos, com 32 partidos disputando? Para esta e outras tantas despesas, daqui para a frente os políticos estarão com ideia fixa no dinheiro da campanha. Há virtudes no projeto do senador Romero Jucá, como a de evitar — pela exigência da publicação dos resultados das convenções na internet em um prazo de 24 horas — manobras, como a de trocar o candidato na véspera da eleição. Ou as chantagens de pequenos partidos para fechar alianças com os grandes. Mas o essencial, só com uma reforma política digna do nome. Enquanto ela não vier, prisões exemplares não mudarão a cultura política. Por isso, anunciar o fim da impunidade e o começo de outra política é vender ilusão. E quando concluir isso, o eleitorado ficará ainda mais decepcionado.

O problema é outro
A alma do eleitor tem aspectos insondáveis até pelas pesquisas, mas os antecedentes não recomendam apostas num grande desgaste para a recandidatura da presidente Dilma em função destas prisões. O estouro do escândalo, em 2005, não impediu a reeleição de Lula em 2006, nem que ele assegurasse a eleição de Dilma em 2010, após uma catilinária de quatro anos sobre o mensalão. Dilma não é Lula, embora já não seja um poste. Calou-se sobre as prisões, coincidentes com seu momento de maior recuperação nas pesquisas depois das manifestações de junho. Mas seu problema tangível, hoje, não se relaciona com seu escasso DNA petista, mas com a economia, o baixo crescimento e a piora das contas públicas. Com o indiscutível sucesso do leilão dos aeroportos de Confins e Galeão, ela lavrou um tento. Investimentos tão elevados, com ágios tão grandes, só acontecem quando existe confiança em um país. Mas os empresários continuam murmurando o “volta Lula”, agora com petistas magoados com a indiferença de Dilma e até de ministros petistas, como Cardozo, da Justiça, que só na segunda-feira falou sobre as irregularidades iniciais nas prisões.

Fonte: Correio Braziliense

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