O mecanismo tradicional de arbitragem tem toda uma especificidade brasileira que precisa ainda ser desvendada
- Valor Econômico
Estudos dos canais de transmissão da política monetária nos países desenvolvidos, tendo como instrumento de política a taxa de juros, identificam pelo menos três canais de transmissão para os preços: o da taxa de juros e de crédito, dos preços dos ativos e o canal da taxa de câmbio.
A taxa de juros, controlada pelo banco central, afetaria a taxa de juros de curto prazo do mercado e esta afetaria, por meio dos canais mencionados, a demanda agregada e os preços, presumindo-se que haja uma relação entre estas duas variáveis, mediadas pela taxa de desemprego e variação de salários (curva de Phillips).
No primeiro canal, a elevação da taxa de juros de curto prazo do mercado estaria correlacionada positivamente com a taxa de juros de longo prazo e, negativamente com oferta de empréstimos bancários, ambos afetando o investimento e o consumo de bens duráveis. Da mesma forma, pelo segundo canal, reduziria o valor dos ativos financeiros, reduzindo o valor da riqueza dos consumidores, das garantias e o patrimônio líquido das empresas, afetando negativamente tanto o consumo como os investimentos. Pelo canal da taxa de câmbio, a elevação da taxa de juros afetaria os fluxos de capitais, levando a uma apreciação da taxa de câmbio, barateando, em moeda nacional, as importações em detrimento das exportações, com óbvio efeito anti-inflacionário. Nos países desenvolvidos há um grande número de estudos empíricos detectando estes canais e mensurando-os. Há um relativo consenso sobre estes mecanismos, pelo menos entre os banqueiros centrais nestes países.
E nos países em desenvolvimento como o Brasil? Uma resenha dos estudos existentes não permite lançar muita luz sobre a questão. Um estudo de Mishra e Montiel (IMF working paper WP/12/143, June 2012), por exemplo, afirma que não é possível concluir que existem evidências sobre a robustez das transmissões monetárias nos países de baixa renda, como existem nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos.
Depende muito da estrutura financeira, da legislação e instituições específicas de cada país, da existência de bancos públicos com taxa de juros administradas pelo governo, das próprias regras operacionais dos bancos centrais, que podem conter particularidades históricas, etc
Os canais de transmissão apresentam diferença significativa entre países e tendem a possuir um grande componente de especificidade. Tomemos o caso brasileiro, para exemplificar algumas obstruções aos canais de transmissão.
No Brasil, a taxa de juros é, por herança do período de alta inflação, a taxa Selic, que é também a taxa de juros de um título de longo prazo (LFT). A estrutura de juros no Brasil é, portanto, totalmente atípica: a ponta curta da Selic monopolizando a captação de recursos e praticamente acabando com a diferenciação entre taxa do "overnight" com a de longo prazo. A elevação da Selic move toda estrutura de juros para cima. Assim, o mecanismo tradicional de arbitragem, ao longo da curva de maturidade, que acaba determinando a taxa de longo prazo, tem toda uma especificidade brasileira que precisa ainda ser desvendada. Além disso, ao operar com Selic, taxa de juros pós fixada, o Banco Central opera com um ativo atrelado à taxa de juros diária, neutralizando o canal de preços de ativos.
Estes, em todo o sistema bancário de mercado de capitais têm, obrigatoriamente que ser também pós-fixados à Selic ou ao DI. Desta forma, o efeito de elevação da taxa de juros, via preços de ativos, acaba sendo obstruído em grande parte.
O magnífico "spread" entre a taxa de captação e de empréstimo bancário é um enigma e se for reflexo de um sistema não competitivo e um ambiente de assimetria de informação, torna tênue a relação entre a elevação dos juros pelo banco central e a oferta de empréstimos bancários.
O canal da taxa de câmbio também merece observação, pois se de um lado não há dúvidas deste ser um dos canais mais eficazes no curto prazo da ação de juros altos sobre a inflação, no médio e longo prazos, os efeitos podem ser perversos. Nos últimos anos, a taxa de inflação no setor de não comercializáveis tem sido, em média, praticamente o dobro (em torno de 8 a 9% ao ano) comparado ao setor de comercializáveis (em torno de 4,5%). É compreensível, pois no curto prazo, juros altos e câmbio apreciado reduzem a inflação, por meio da queda nos comercializáveis, no médio e longo prazos, a taxa de câmbio apreciada, ao mudar os preços relativos, provoca mudança na alocação de recursos na economia, deslocando, particularmente, para o setor de serviços pessoais em detrimento da indústria. Isto acontece porque, numa economia em pleno emprego, enquanto serviços podem repassar os aumentos salariais aos preços, a indústria tem maior dificuldade. Assim, se não desindustrializarmos totalmente o país, chega um momento, no médio ou longo prazos, em que os preços relativos, a taxa de câmbio real, precisa ser recomposta, daí mais inflação.
Para concluir é preciso lembrar que os países desenvolvidos têm hoje canais de transmissão de política monetária porque, ao longo dos anos, fizeram reformas e aperfeiçoaram as instituições e as regras de operação do Banco Central. É o que o Brasil precisa fazer. A tarefa não é difícil, pois neste caso basta arcar com as nossas especificidades e harmonizar as instituições monetárias com a dos países desenvolvidos.
Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).
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