- O Estado de S. Paulo
A superplanilha da Odebrecht com nomes, valores e apelidos associados a duas centenas de políticos brasileiros de sabores sortidos está com a Lava Jato há um mês. Sergio Moro só a divulgou na terça, após PSDB e PMDB articularem um grande acordo pós-Dilma, mas antes de senadores governistas representarem contra ele no Conselho Nacional de Justiça, e de Teori Zavascki dar-lhe um pito e requisitar as investigações da Lava Jato sobre Lula para o STF. O mundo é mesmo aleatório. Até em Curitiba.
Nomes e valores em uma planilha não provam nada, é fato. Mas se vierem recobertos com calda de delação premiada de poderosos executivos da maior empreiteira do País, tornam-se uma bomba calórica de proporções atômicas. São capazes de alimentar uma crise política por muitos outonos. Foi essa cobertura que Moro conseguiu nos últimos dias. E a cereja veio terça, quando, seguindo seus súditos, o príncipe Marcelo Odebrecht capitulou.
Não adianta o juiz restaurar agora o sigilo da superplanilha. Cópias abundam. Elas solapam as fundações do sistema político-eleitoral que empreiteiras como Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, UTC, OAS e Odebrecht se empenharam em construir ao longo das últimas décadas. Fazem ruir o alicerce de doações interesseiras que sustentavam campanhas de PT, PMDB, PSDB, DEM, PP e de quase toda a sopa de letrinhas partidárias do Brasil - e cujo cimento vinha de contratos públicos superfaturados.
Haverá escoramentos. Políticos tentarão segurar as paredes e o teto que lhes caem sobre a cabeça. Alguns dirão que aquele dinheiro nunca existiu. Outros, que foi legalmente declarado. É previsível que uns escapem do desabamento, mas a ruína do sistema eleitoral e partidário está à vista para quem quiser ver. É impossível erguer algo sólido e duradouro sobre essas pilastras apodrecidas. A barragem de dejetos se rompeu e a enxurrada de lama tóxica fará muitas casas caírem.
Umas cairão mais rapidamente do que outras, porém. PT e governo podem se alegrar ao ver ferozes adversários serem tragados para a torrente onde se afogam, mas essa alegria tende a ser fugaz. A reação do PMDB, por exemplo, foi tentar apressar o impeachment de Dilma Rousseff, na esperança de levantar poeira e não deixar exposto o tamanho do estrago. "Grego" voltou a andar no passo de "Carangueijo" (sic). "Cacique" está deixando "Atleta" para trás. E "Nervosinho" deve estar fazendo jus ao apelido.
Inspirada na operação italiana Mãos Limpas, a Lava Jato está transformando o Brasil em uma grande Itália dos anos 90. O esboroamento do Poder Executivo é acompanhado da desmoralização completa do Legislativo. O estágio final é a reação de políticos que visa à perda de credibilidade do Judiciário. Ela se alimenta da partidarização de alguns juízes e procuradores, e desemboca na tentativa de criminalização da ação da magistratura.
Um magistrado - que julgará o destino do governo que pretende substituir o que aí está - levar a cúpula desse eventual futuro governo para passearem juntos em Portugal é um grande avanço nessa direção. Mesmo que seja mera coincidência.
Todo mundo só se lembra que a Mãos Limpas terminou com o empresário populista Silvio Berlusconi no governo. Mas por que isso aconteceu? Os partidos que se alternavam no poder havia décadas sucumbiram, mas nem todos os seus integrantes e satélites afundaram junto com eles. Muitos se reciclaram.
O eleitor italiano só queria saber do que parecia novo - mas não verificou se era novo de fato, nem se tinha consistência. Assim, quem sobreviveu tratou de se imunizar com leis que desconcentraram a corrupção e tornaram-na mais difícil de pegar. O maior risco da Lava Jato é limpar apenas metade do sistema. O que sobrar de sujeira tende a contaminar rapidamente o que foi limpo e deixá-lo ainda mais resistente à investigação.
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