As mudanças regulatórias no setor de petróleo serão testadas nas licitações de poços em terra em setembro e no pré-sal, até o fim do ano. Tanto a Petrobras quanto as empresas multinacionais que operam no país entrarão mais leves na competição, com parte de suas reivindicações atendidas. Para a continuidade dos leilões, a derrubada da exigência de que a Petrobras fosse a exploradora única do pré-sal com participação mínima de 30% nos consórcios foi a medida mais importante. Atolada em dívidas, a estatal não conseguiria tão cedo se desincumbir de sua missão tão cedo. Para as demais empresas, as exigências de conteúdo local tornaram-se mais realistas.
Há muito petróleo no pré-sal, mas a letargia em explorá-lo quase transformou uma benesse em desvantagens. O governo Lula começou a mudar as regras e o regime de concessão, que vinha funcionando bem, pelo de partilha para o petróleo do pré-sal, onde, além da Petrobras como operadora exclusiva, foi criada a estatal PPSA, para disciplinar as condições de produção. Depois foi a vez da presidente Dilma Rousseff elevar a exigência de conteúdo local dos 30% de 2003 para até 77% (para a fase de desenvolvimento do petróleo em terra). Entre 2008 e 2013, simplesmente não houve leilões.
Com a necessidade bilionária de recursos para extrair o petróleo das águas profundas do pré-sal, induzir a que uma fatia dos investimentos se dirigisse à indústria nacional e a seu aprimoramento tecnológico era, em tese, uma ideia sensata. Mas a concepção e a execução das normas que regularam o conteúdo local, porém, naufragaram em erros, burocracia e na proverbial incapacidade dos governos em estabelecer objetivos claros.
Estimaram-se percentuais de fornecimento de bens nacionais muito elevados. Os índices de nacionalização ganharam pontos nos leilões, a ponto de as empresas se amarrarem a compromissos inexequíveis em termos de prazos e preços. Vitoriosas, elas posteriormente pediam "waiver" das multas incorridas por descumprimento, um fenômeno generalizado, que atestou o fracasso do modelo e que acumulou penalidades estimadas em R$ 80 bilhões. Em vez de índices globais de oferta local, criou-se uma parafernália de 90 itens e subitens, que exigiram três dezenas de certificadoras para fiscalizar processos e notas fiscais.
Esses eram apenas detalhes perturbadores de um mal maior. As petroleiras e fornecedores tornaram-se menos competitivos, seus custos subiram e a pontualidade na entrega dos bens foi drasticamente atingida. Esses poderiam ser efeitos previsíveis e temporários, incômodos passageiros diante do objetivo maior de qualificar a indústria a ganhar escala e dar saltos tecnológicos - que de forma geral e visível não ocorreram.
Ao conceder proteção à indústria nacional e dar-lhe um mercado cativo, os governos de Lula e Dilma não estabeleceram a duração desses benefícios e muito menos metas a serem atingidas. É bem possível que em alguns setores protegidos tenha havido progressos, mas até isso é incerto pelo inacreditável motivo de que não há uma avaliação oficial detalhada de ganhos e perdas desse processo. E isso no setor de petróleo e gás, que detém 13% do PIB e, ao lado da indústria de alimentos e automotiva, é a que mais influi no crescimento da economia brasileira. E uma vez estabelecida uma política para atender interesses específicos, a prática mostra que é muito difícil desmontá-la sem provocar a ira dos beneficiários.
No fim das contas, os custos, que sobrecarregaram a Petrobras - tanto o do conteúdo local como o de ser ungida como operadora exclusiva -, não importavam. Enquanto os burocratas se dedicavam à contabilidade labiríntica do conteúdo local, estava em plena operação na Petrobras e subsidiárias o maior e mais vasto esquema de corrupção da história republicana. O descaso com metas e avaliações não foi apenas incompetência: servia ao propósito de fuga a controles que beneficiaram funcionários, intermediários e empresas.
Os percentuais de conteúdo local caíram praticamente à metade agora, as multas foram reduzidas, enquanto que os "waivers" não mais serão aceitos. Resta a incógnita da capacidade de ação da Petrobras. Seu gigantesco endividamento está sendo equacionado, mas é difícil avaliar se ela tem já tem cacife para voltar a investir como deveria no pré-sal.
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