quarta-feira, 1 de março de 2017

O alquimista de Temer e o monstro do armário - Andrea Jubé

- Valor Econômico

Tsunami de delações pode ajudar Padilha e criar "marola"

Em conversa recente com Fernando Henrique Cardoso por telefone, o presidente Michel Temer fez um desabafo e recebeu um conselho. Temer confidenciou sua "angústia" ao completar sete meses no cargo, e questionou ao ex-presidente como conseguiu permanecer oito anos consecutivos naquela cadeira. Segundo o relato de um líder tucano, que testemunhou o diálogo, Fernando Henrique aconselhou o pemedebista a administrar com calma os problemas, a "fazer hoje o que é possível fazer hoje".

Uma recomendação que Temer deverá seguir no imbróglio envolvendo o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha - seu amigo há mais de 30 anos, seu "alquimista" da Câmara e braço-direito no governo. Na última semana, o advogado e empresário José Yunes - amigo de Temer dos tempos do governo Montoro e ex-assessor presidencial, - declarou ao Ministério Público Federal que serviu de "mula" para Padilha ao receber em seu escritório, em São Paulo, um envelope entregue pelo doleiro Lúcio Funaro em 2014.

A par da crise deflagrada pela denúncia no coração do governo, há outra paralela que Temer precisa administrar e atinge sua amizade com Padilha, que remonta aos tempos do velho MDB. Antes de submeter-se à cirurgia de retirada da próstata, Padilha soube que Yunes revelou a Temer que faria o depoimento que o compromete aos procuradores federais. Soube também que Temer não agiu para impedi-lo.

Seguindo o conselho de Fernando Henrique, Temer agirá com cautela, num momento em que está em jogo o avanço das reformas no Congresso. Ele tentará preservar Padilha, a não ser que novos fatos tornem a situação "insustentável", como ocorreu com Geddel Vieira Lima em novembro. O outro velho amigo sustentou-se por mais de uma semana no cargo, sob bombardeio de denúncias, até que sua saída se mostrou inevitável.

A estratégia em curso para manter Padilha é uma aposta de alto risco: esperar pela retirada do sigilo das 77 delações premiadas de executivos da Odebrecht, o que será requerido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nos próximos dias.

Se apenas a delação do ex-diretor de Relações Institucionais Claudio Melo Filho traz 39 nomes de deputados e senadores, a expectativa do Planalto é que a quebra do sigilo multiplique por dez esse número, transformando o Brasil numa "República dos delatados". Isso desencadeará a segunda "lista de Janot", com novas aberturas de inquéritos e oferecimentos de denúncias.

Em outra frente, aguardam-se novos vazamentos das delações, já que três importantes delatores - Marcelo Odebrecht, Claudio Melo e Alexandrino de Salles Ramos - serão ouvidos na ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer, por determinação do relator, ministro Herman Benjamin.

Segundo este raciocínio, nas palavras de um aliado que frequenta o Planalto, os próximos capítulos da Lava-Jato provocarão um tsunami de proporções inéditas, implicando centenas de políticos, entre líderes do Congresso e caciques partidários. A avaliação é que esse fenômeno transformará o episódio envolvendo Yunes e Padilha em uma "marola".

"Haverá delatados do PMDB, mas também do PT, PSDB, PP, por que apenas os nossos delatados terão de pagar?", indaga um pemedebista.

Outro argumento para preservar Padilha é o de que Temer "cumpriu os 12 trabalhos de Hércules", na definição de um aliado, para alçar Moreira Franco ao recém criado ministério da Secretaria Geral da Presidência, modificando a estrutura administrativa do palácio, assegurando-lhe foro privilegiado. Diante disso, agora não poderia desalojar o outro amigo-auxiliar, e deixá-lo à mercê do juízo de Curitiba. "Será mais fácil manter Padilha, que já é ministro, do que foi criar uma pasta nova para Moreira", observa.

Tentar blindar Padilha, na atual conjuntura, significa manter no campo de batalha o general, embora baleado, que atuou todo o tempo, desde os primórdios do impeachment, no front.

O ministro é peça fundamental para o avanço da reforma da Previdência Social nesta primeira etapa na Câmara dos Deputados. Um dos raros políticos, além de Michel Temer, domina a "alquimia" da Casa, a conjugação de elementos que move os deputados, o que pensam, como se comportam, de modo a garantir a maioria de votos nas matérias de interesse do governo.

O "alquimista" é autor das meticulosas planilhas de votação, que mapeiam as tendências de voto de cada parlamentar. Ele começa a elaborá-las semanas antes das votações das matérias relevantes, faz atualizações diárias, monitora os deputados passíveis de traição, tudo para assegurar a vitória do governo. Foi assim que acertou o placar do impeachment e errou por um voto a aprovação da PEC do teto dos gastos na Câmara.

Ele também comandou dezenas de reuniões na Casa Civil, com técnicos e lideranças do movimento sindical, e domina como poucos cada detalhe do projeto, atualmente prestes a ser votado na comissão especial. O governo corre contra o tempo para levar a proposta ao plenário da Câmara até o fim de abril.

A prevalecer a regra anunciada por Temer, de que somente afastará os auxiliares "denunciados" na Lava-Jato, ainda há oxigênio para Padilha respirar mais um tempo.
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A expectativa pela quebra do sigilo e divulgação de todo o conteúdo das delações de executivos da Odebrecht, esperada para este mês, é comparada, no Palácio do Planalto, ao "monstro do armário", que apavora as crianças na hora de dormir.

Um auxiliar de Michel Temer traduz a metáfora. As crianças temem o desconhecido, representado pela porta entreaberta do armário. Espiam pela pequena fresta, mas tudo está escuro. Vão dormir atemorizadas, sem saber o que pode sair de lá. Talvez não saia nada. Ou talvez surja um monstro, pronto para devorá-las.

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