Ministro do Supremo afirma que o mais complicado é quando 'o sujeito é apresentado pela mídia como grande capeta'
Teo Cury | O Estado de S.Paulo
Durante o último dia do seminário de 25 anos da Advocacia-Geral da União (AGU), nesta sexta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes disse que é “muito difícil” tomar decisões contra a opinião pública.
“O papel do Supremo já é contra majoritário porque declara inconstitucionais leis que foram aprovadas pelo Congresso. Mas o mais difícil é conceder habeas corpus, sobretudo quando o sujeito foi apresentado na mídia como um grande capeta”, afirmou.
O ministro, que esteve à frente da AGU de 2000 a 2002, participou do painel “AGU: Passado, Presente e Perspectivas para o Futuro”. Junto a ele estavam o colega de Corte, ministro Dias Toffoli, e os ex-Advogados-Gerais da União Luís Inácio Adams e José Eduardo Cardozo.
“A função judicial é extremamente ingrata, porque, em geral, a gente desagrada, no mínimo, 50% dos espectadores. É melhor ser músico, arquiteto, porque lidam com as emoções das pessoas. E é difícil agradar as pessoas nessa opinião pública muito volátil. Quem quiser se orientar com base nesse tipo de movimento vai virar uma biruta de aeroporto. E nem assim vai saber se está agradando.”
Nos últimos meses, Gilmar concedeu habeas corpus a políticos e empresários, como Anthony Garotinho, Adriana Ancelmo, Eike Batista e Jacob Barata.
Em sua fala, o ministro citou ainda as dificuldades que enfrentou durante o período à frente da AGU e as conquistam que conseguiu implementar. “Fizemos bom uso das medidas provisórias nessa época. Além disso, recorrer do segundo grau para o STJ foi uma invenção nossa, uma concepção daquela época.”
Reformulação. O ministro Gilmar Mendes também falou durante o seminário da AGU sobre a reformulação das instituições brasileiras. “É evidente que estamos vivendo problemas estruturais decorrentes de hiperpoderes dados a algumas instituições”, disse.
Em sua avaliação, o País tem de discutir “erros institucionais graves”. “Por exemplo, esse modelo de autonomia administrativa e financeira, que é insuportável, e claro que não tem nada a ver com o principio de legalidade. Porque a instituição baixa uma portaria com seus vencimentos e manda o Tesouro pagar. Vamos ter que rediscutir isso. Os limites do poder de cada uma. E o abuso de autoridade, que hoje é muito frequente.”
Como exemplo, citou a suposta obstrução à Lava Jato, pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Romero Jucá (MDB-RR) e pelo ex-presidente José Sarney (MDB-MA) com base em áudios gravados pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, em conversa com os emedebistas.
“Uma conversa desse tipo enseja um pedido de prisão dos três. A Polícia Federal pediu o arquivamento e a PGR concordou. Alguma coisa está errada.”
O ministro também citou a morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que, de acordo com a narrativa das autoridades, havia participado de uma fraude de R$ 80 milhões. O valor, na realidade, era o total de repasses do Ministério da Educação para o programa de ensino a distância ao longo de dez anos, 2005 a 2015, quando Cancellier não era o reitor.
“Isso é um país do Carnaval. E tudo tem a ver com essa coisa de autonomia administrativa e financeira. Imagina a Polícia Federal com autonomia administrativa e financeira. Iriam congelar salários, fazer o diabo. É chocante e as pessoas não estão vendo. Tem coisa que vamos ter de consertar mesmo e dizer ‘aqui não dá’. Mas é muito difícil porque os abusos são populares. Qualquer discussão, dizem que se está introduzindo a censura."
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