- O Globo
Alguns fatos acontecidos esta semana ilustram bem a disputa explícita que se desenvolve no nosso mundo político-partidário entre os novos hábitos que tentam se impor, e a velha ordem que insiste em se manter atuante mesmo rechaçada pela maioria da opinião pública. É preciso matar um leão a cada dia para superar a corrosão de valores a que chegamos.
Na quinta-feira, conversando com Heraldo Pereira no J10 da Globonews, ressaltei que vamos ter que conviver com o paradoxo de que quanto mais se combate a corrupção no país, mais a sua percepção aumenta, fazendo com que percamos posições no ranking da Transparência Internacional.
Quanto mais se combate a corrupção, mais ela aparece. Esse é um paradoxo que o Brasil terá que enfrentar durante algum tempo, até que a “epidemia” seja controlada. O combate tem que prosseguir, para que mais adiante se reflita na melhoria da percepção.
No momento, é ruim nos números, mas é bom porque estamos avançando claramente no assunto. E o cidadão brasileiro, apontam as pesquisas, colocou o combate à corrupção como um dos objetivos da sociedade, que entende e se engaja na luta. É uma política que dará bons frutos — e já está dando. A sociedade vai se empenhar em apoiar quem combate a corrupção, e vamos acabar conseguindo fazer um mundo político mais ético.
Pois bem, temos para confirmar a dificuldade da transição para um mundo mais transparente três casos emblemáticos. A começar pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cujos ministros, numa demonstração de que entenderam a reação da sociedade, decidiram revogar trechos de uma polêmica resolução que limitava a abordagem das pesquisas de opinião.
A intenção não era censurar, mas proteger os eleitores de perguntas invasivas, mas o resultado foi justamente outro. Como o objetivo não era cercear a liberdade de expressão, bastou que as principais entidades de defesa do livre jornalismo se manifestassem para que dois parágrafos da resolução inicialmente aprovada fossem revogados.
O que vedava perguntas a respeito de temas não relacionados à eleição nas pesquisas de opinião pública, e outro, que impedia os questionários de fazerem afirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa sobre determinado candidato. O primeiro limitava o livre pensamento, o segundo tentava evitar uma situação que, quando e se ocorrer, deve ser tratada na Justiça, e não com a censura prévia.
Outro fato diz respeito a uma decisão desastrada do prefeito de São Paulo, João Doria, que criou por decreto um serviço de segurança para ex-prefeitos, inclusive ele, que se prepara para deixar a prefeitura para disputar o governo de São Paulo. O erro primário é criar alguma coisa para si, quando, se fosse necessária, a medida deveria valer apenas para os próximos prefeitos eleitos.
Verificada a mancada, Doria tentou remendar dizendo que pagaria seus seguranças, o que não era uma solução. Afinal, acabou revogando a novidade, que parece não ser tão necessária assim. Outro erro primário para um político que tem ânsias de voos mais altos.
Por último, mas não menos importante, e, ao contrário, revelador do nosso estado da arte política, foi a nomeação, denunciada pelo GLOBO, do “adolescente inexperiente”, na definição do presidente do PTB, Roberto Jefferson, Mikael Tavares Medeiros, de 19 anos, para administrar pagamentos do Ministério do Trabalho de quase meio bilhão de reais por ano.
Na sua ingenuidade adolescente, o rapaz foi transparente: quem o colocou lá, como um jabuti na árvore, foi “o meu partido”. No caso, o Partido da Mulher Brasileira (PMB), que o que tem de menos é mulher em seus quadros. Uma aliança do PMB com o PTB, que controla o ministério mesmo sem ter conseguido nomear Cristiane Brasil, levou o rapaz, inexperiente e mau aluno, ao cargo que deveria ser de extrema relevância, pelo menos pelo volume de dinheiro que administra.
Uma história toda errada, pois até mesmo beneficiário do Bolsa Família o rapaz é (ou era), na cota da mãe, que está sendo investigada depois que o escândalo estourou. Pelo menos são exemplos de situações anômalas que vão sendo corrigidas diante da reação da opinião pública. Vamos aguardar que o jovem Mikael já esteja dedicado a tarefas mais apropriadas ao seu despreparo.
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