Ao decidir, por 7 votos a 4, restringir o foro privilegiado de parlamentares, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou muitas questões no ar. Todos votaram por restringir o foro especial aos crimes cometidos durante o exercício do mandato. Atualmente, os parlamentares são julgados pelo STF, mesmo para crimes anteriores ao cargo.
A unanimidade parou aí. As divergências começaram na extensão da medida. Para a corrente que venceu, só os crimes cometidos em razão do exercício do mandato serão processados e julgados no Supremo. Crimes comuns serão remetidos à primeira instância. Os quatro votos que perderam no placar final advogavam que todos os crimes cometidos durante o mandato - relacionados a ele ou não - deveriam ficar no STF.
As dúvidas se iniciam na definição do que é crime cometido em função do mandato. Cada ministro poderá ter sua própria visão. As perguntas sem respostas vão se multiplicando. Se um parlamentar for reeleito e estiver sendo investigado por fatos relacionados ao mandato anterior, ele perde ou não o foro especial? As demais autoridades que detêm foro por prerrogativa de função não serão atingidas? Se a restrição ao foro especial for estendida a todas as autoridades do país, como parece óbvio que ocorra mais adiante, um dos mais de 18 mil juízes do Brasil poderá determinar busca e apreensão no Palácio do Planalto, conforme questionou o ministro Gilmar Mendes, antes de pronunciar seu voto?
Boa parte dos juristas consultados logo após a decisão do Supremo destacou a redução de ações penais na Corte como o principal benefício da mudança. Juízes, procuradores e acadêmicos acreditam que, ao remeter esses casos para instâncias inferiores, o Supremo poderá, enfim, retomar sua função de guardião da Constituição.
A comemoração, porém, pode estar sendo precipitada. Da maneira como foi feita a decisão do Supremo, abre-se um amplo leque de interpretações cujos efeitos práticos só poderão ser conhecidos quando da análise de cada caso pelos ministros do STF.
O Supremo abriu, assim, mais uma avenida de insegurança jurídica, que tem sido uma constante no país. Há uma proliferação desenfreada de leis que parecem mal feitas, mas não necessariamente por incompetência do legislador. As ambiguidades da legislação brasileira muito provavelmente não são gratuitas, mas uma forma de acomodar os mais variados interesses de um espectro partidário fragmentado. Isso explicaria a existência de 80 milhões de processos em tramitação na justiça brasileira.
Na decisão do STF reside, também, um perigo oculto. Somado à prisão após a condenação em segunda instância, o julgamento de parlamentares pela Justiça de primeiro grau pode resultar em mais rapidez nas decisões, reduzindo a impunidade. Nada garante, porém, que o Supremo irá manter o atual entendimento que permite a execução da pena antes de se esgotarem todos os recursos. Se a regra for alterada novamente, o resultado, no entanto, poderá ser nefasto.
A possibilidade da prisão em segundo grau foi reafirmada, recentemente, no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o resultado foi uma maioria precária e incerta. Ao dar o voto decisivo para o placar de 6 a 5, a ministra Rosa Weber disse que votava contra sua própria convicção.
Isso permite supor que ela poderá seguir suas convicções quando a Corte julgar as ações genéricas sobre o assunto, que não envolvem réus específicos. Se assim o fizer, a maioria do STF mudará de lado - passando novamente a exigir o trânsito em julgado das condenações para que as prisões se concretizem.
Nesse cenário, sem a prerrogativa de foro, os políticos processados terão quatro instâncias do Judiciário na qual poderão testar todos os tipos de recursos. A consequência será a prescrição de inúmeras causas, uma realidade já bem conhecida pela sociedade brasileira.
Ao que tudo indica, nada mudará durante a presidência da ministra Cármen Lúcia, que já declarou que não pretende pautar novamente a discussão sobre a prisão em segunda instância. Isso não impede, porém, que o tema seja julgado quando o ministro Dias Toffoli assumir o comando da Corte, em setembro.
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