- O Estado de S.Paulo
Escalada da moeda americana pode afetar economia, mas perda de vigor já era visível
Hollywood que o diga. Bons atores coadjuvantes são aqueles que dão a impressão de estar à sombra das estrelas da produção. Mas, sem a sua presença, o filme não teria o mesmo impacto e os atores principais da película não teriam o mesmo desempenho. Neste momento, em que os mercados entram em uma temporada de instabilidade que ameaça se estender por um bom tempo, já há quem veja o dólar como o protagonista de um enredo de enfraquecimento da economia brasileira. Um exagero, mas é preciso levar em conta que, se não é o protagonista, o câmbio pode ser um coadjuvante.
Tudo começa, como sempre, com a economia americana: a previsão de alta dos juros nos Estados Unidos, por força de pressões inflacionárias, desencadeou um processo de valorização do dólar, que está batendo nas economias dos países emergentes, entre elas o Brasil. E o cenário eleitoral interno, marcado pelas incertezas sobre as candidaturas que têm chance de vingar e, por tabela, sobre a política econômica que vai vigorar a partir de 2019, pode atuar para exacerbar essas turbulências.
O dólar subiu quase 9% em um ano, mais de 5% desde o fim de 2017, perto de 1,8% na semana passada e chegou ao pico de R$ 3,55, na quarta-feira – em linha com a movimentação lá fora. A sexta-feira foi relativamente tranquila, depois que os dados do mercado de trabalho nos Estados Unidos reduziram os temores de uma imediata escalada dos juros. Mas nem os otimistas de carteirinha estão seguros.
Segundo a pesquisa Focus, as apostas do mercado para o fechamento do ano ainda são razoáveis, por volta de R$ 3,35. Nada comparável ao estrago já produzido na Argentina de Mauricio Macri, que elevou a taxa básica de juros três vezes numa semana, para 40% ao ano, a maior do mundo, e anunciou aperto fiscal – mas suficiente para mostrar que não dá para tratar o cenário externo como um aliado seguro. Tudo indica que os próximos meses reservam muitas emoções.
Difícil evitar um certo nervosismo, principalmente quando vem à cabeça o sobe e desce dos mercados antes da eleição de 2002. Foi tanta a volatilidade, que o então candidato Lula tomou a iniciativa de divulgar a chamada Carta aos Brasileiros, em que assumia uma série de compromissos na linha da não ruptura, e enviar o ex-ministro Antonio Palocci como “embaixador” junto ao empresariado e aos mercados – o mesmo Palocci que fechou acordo de delação premiada e agora tira o sono não só de Lula e Dilma, como de empresários e banqueiros.
O esforço de “conversão” do PT e de Lula, lá em 2002, acabou sendo bem sucedido e derrubou o dólar, de R$ 4, em setembro de 2002, para R$ 3,50 logo no começo de 2003 e abaixo de R$ 3 em dezembro.
A perspectiva de um presidente capaz de conciliar o reformismo, mesmo que não ao modo de Temer, com uma firme ação social ajudaria a amenizar as tensões externas. Mas a possibilidade de uma saída radical, seja para a esquerda ou para a direita, tem potencial de maximizar os trancos nos mercados.
Fôlego. Claro que a equipe econômica hoje dispõe de mais instrumentos para administrar essa volatilidade. Leia-se reservas internacionais acima de US$ 380 bilhões, dez vezes o nível do final de 2002. Dá para recorrer a swaps e mais swaps cambiais, como o Banco Central fez na semana passada, sem comprometer o “caixa”.
Em meio a essas novas incertezas, já há quem comece a culpar o dólar por uma perda de vigor da economia. E é evidente que, pelo menos por enquanto, isso não se justifica. A economia já vinha reduzindo o ritmo desde o início do ano, como mostram vários indicadores – em linhas bem gerais, porque se esgotaram ou são insuficientes os estímulos ao consumo, e os investimentos públicos e privados não deram as caras.
Mas, se a instabilidade nos mercados se acentuar, se as empresas endividadas em dólar contaminarem o mundo corporativo, se a crise dos vizinhos argentinos atravessar a fronteira... As coisas podem, sim, piorar. E bem na boca das eleições, o que costuma potencializar as reações dos mercados.
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