- Folha de S. Paulo
De votação fragmentada e polar, 1989 acabou por resultar em governo funesto
Leitores e eleitores talvez estejam cansados de ouvir comparações entre as eleições de 1989 e esta de 2018. Mas ainda convém prestar atenção nas semelhanças, que são lamentáveis, e em diferenças marginais, ainda mais preocupantes, entre as duas disputas.
Além disso, as consequências políticas de 1989 são mau agouro para o que tende a sair das urnas de 2018, a julgar pelo mais recente Datafolha.
Um aspecto importante de 1989 é que a democracia era ainda obra no começo, que contava com dois partidos relativamente novos, com um conjunto de lideranças relevantes e articuladas com a sociedade mais organizada, PSDB e PT.
Como agora, as lideranças mais associadas ao establishment derretiam em descrédito, em especial aquelas identificadas à Nova República, ao governo fracassado de José Sarney (1985-1990).
No momento, mais que ojeriza aos políticos do sistema, o sistema político quase inteiro é objeto de repulsa. Em vez de obra em progresso, a democracia é uma construção degradada. A crise econômica é quase tão grave.
A fragmentação do voto em 1989 levou à vitória um candidato sem maioria “firme” (com poucos votos no primeiro turno). A polarização entre os dois finalistas era considerável —Fernando Collor (PRN) versus Lula da Silva (PT).
Um candidato que se fez “outsider”, apesar da folha corrida na política, de base partidária insignificante, com traços de populismo salvacionista (Collor) chegaria à frente no primeiro turno.
Essas características da disputa teriam desdobramentos funestos. Faltando cerca de dez dias para o primeiro turno, observa-se que a votação na disputa de 2018 é tão fragmentada quanto em 1989 (se medida por índices de concentração ou fragmentação habitualmente utilizados em ciências sociais).
A votação dos dois primeiros colocados nas pesquisas foi de no mínimo 63% a até 80% dos votos nas eleições de 1994 a 2014. Na média, 72%.
Em 1989, Collor e Lula somavam 40% dos votos, pouco antes do primeiro turno. Neste 2018, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) somam 50%. Haddad tem mais votos do que Lula em 1989.
É evidente que quase a maioria do eleitorado está insatisfeita com os candidatos, impressão reforçada pelo fato de que a parcela dos eleitores disposta a votar em ninguém (branco ou nulo) é a maior desde 1989 (10%, o dobro do habitual).
O país tende a sair das urnas entre muito dividido e muito insatisfeito. Difícil medir o ódio nas duas eleições. Pela lembrança, 2018 parece ser ainda pior do que 1989.
A campanha do vitorioso Collor contou com equipe de marketing muito competente. Sua candidatura, porém, era mambembe, com escassa articulação social e de poucos quadros respeitáveis.
Vitorioso, a seu partido inexistente, mero registro burocrático, agregou aliados de última hora, entre meramente oportunistas e adversários agudos do PT.
Essa coalizão política improvisada, de quadros catados ao léu, liderada por um cesarismo alucinado que se dizia liberal, de programa e ideias desordenados, logo mostrou sua instabilidade e levou confusão ao governo e desordem na vida socioeconômica.
Os líderes das pesquisas têm algum tempo para remendar suas candidaturas, embora certos defeitos sejam estruturais e o ambiente político seja inóspito.
De mais remediável, poderiam apresentar planos econômicos críveis, além de procurar alianças sociais mais sólidas, de modo que o país não continue sob desmanche, em 2019.
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