- O Estado de S. Paulo
Sem reformas, as expectativas favoráveis que se firmaram após a eleição podem se esvaziar
A eleição de Bolsonaro reflete um desejo de renovação, uma inflexão à direita, inclusive na área de valores, uma rejeição do petismo e da corrupção como método do exercício do poder e, para muitos, mas não para todos, uma visão mais liberal da economia.
Pode ser uma mudança e tanto.
Muitas coisas devem acontecer para que isso ocorra. Em particular, uma condição necessária (mas, não suficiente) é a volta de um crescimento sustentável.
Daí, porque, a indagação: pode isso acontecer?
A resposta que me parece adequada é que ainda existem muitas coisas a serem construídas para que o sucesso se verifique.
De positivo, várias condições favoráveis foram sendo criadas no governo que está terminando.
Coisas relevantes foram aprovadas no Legislativo e estão em pleno vigor, como a reforma trabalhista, o teto para gasto público, a Lei de Responsabilidade das Estatais, alterações na área de petróleo (que já resultaram em muitos projetos de investimento), reforma do ensino médio e outras.
Terminaremos o ano com uma inflação inferior ao teto da meta (4,5%), apesar dos vários choques de preços administrados que ocorreram ao longo do período, sugerindo uma forte ancoragem dos preços. Em consequência, a taxa Selic se mantém como a mais baixa de muitos anos, e assim deve continuar pelo menos até o fim do primeiro trimestre de 2019. Além disso, uma agenda do Banco Central e a criação de novas empresas financeiras de base tecnológica (fintechs) está elevando a competição no mercado de crédito. Finalmente, o setor externo apresenta uma extraordinária robustez, resultante de boas exportações, elevadas reservas e investimentos diretos estrangeiros.
Embora o acima descrito não seja pouca coisa, existem ainda formidáveis obstáculos decorrentes de uma deterioração persistente da situação fiscal e da manutenção dos investimentos em níveis muito baixos.
Não é preciso muito esforço para concordar que não teremos de volta o desenvolvimento sem um avanço considerável nessas duas áreas.
O déficit primário do corrente exercício deve ser da ordem de R$ 120 bilhões, que implica outra elevação da dívida pública, resultado, especialmente, da deterioração da situação da Previdência Social.
Além disso, a situação fiscal dos Estados continuou piorando, tendo muitos deles ampliado o volume de pagamentos não realizados aos fornecedores. É evidente que os novos eleitos vão pressionar fortemente o novo presidente a fornecer socorro.
Como se isso fosse pouco, o Congresso não para de aprovar novos gastos, como o recente caso da elevação dos salários dos ministros do STF e a criação de novos incentivos fiscais destinados ao setor automobilístico, agora batizado de Rota 2030.
Finalmente, causa preocupação que algumas características do novo governo já estão a implicar elevado custo de aprendizado, mais que tudo decorrente da inexperiência da alta administração, que dificulta a eficiência da política econômica.
Chamo a atenção de alguns pontos: a decisão de se criar um superministério da Economia é claramente um erro, pois vai resultar num monstro burocrático difícil de administrar, como chamou a atenção o ex-ministro Mailson da Nóbrega neste jornal. Isso vai se compor com a aparente falta de clareza na agenda dos primeiros tempos de governo. Quando se estuda, a esta altura dos acontecimentos, cinco ou seis alternativas de reforma da Previdência e de reforma tributária, torna-se claro que as propostas eventuais ainda estão bastante cruas. Não será coisa simples fazer chegar ao Congresso projetos que possam ser debatidos e encaminhados com certa rapidez e chances de aprovação.
Ademais, a mesma falta de experiência está tornando mais complexo o relacionamento com o Parlamento. Dúvidas também existem no que tange ao confronto de posições liberais x corporativas dentro do Executivo.
Ora, o tempo é curto. Se até o fim do primeiro semestre do próximo ano não tivermos aprovados avanços substantivos nas áreas fiscal e de privatização, as expectativas favoráveis que se firmaram depois da eleição podem se esvaziar.
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Economista e sócio da MB Associados
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