Valor Econômico
Com o inquérito do fim do mundo prestes a ser
encerrado, o do orçamento secreto assumirá o protagonismo num momento em que
Lula disputa o eleitor antissistema e o Congresso busca nova equação de poder
Em seminário recente, o ministro Flávio Dino, a pretexto de se defender da acusação de ativismo nos inquéritos do orçamento secreto, perguntou: “Quantos parlamentares hoje estão presos por causa de emenda parlamentar?” Ele mesmo respondeu: nenhum. “Quantas buscas e apreensões na Câmara e no Senado deferi?” A negativa a esta segunda pergunta durou oito dias. Aquela que deu à primeira pergunta ganhou prazo de validade na sexta-feira.
A operação que mirou a assessora da liderança do Progressistas na Câmara e mais longeva operadora do organograma das emendas parlamentares, Mariângela Fialek, com busca e apreensão em seu gabinete e na sua residência, foi recebida, em Brasília, como um aperitivo do que vai dominar o Supremo Tribunal Federal em 2026.
Sai o embate contra o golpismo do ministro
Alexandre de Moraes e entra a cruzada contra o orçamento secreto de Dino. A
saída de cena do ministro relator do golpismo, mais do que providencial, dada a
exposição do inexplicável contrato de R$ 129 milhões de sua esposa com o banco
Master, detalhado por Malu Gaspar em O Globo, seria concretizada pelo
encerramento do inquérito-mãe, aquele do fim do mundo, na volta do recesso.
Como o ministro relator do emendismo não tem
associação do gênero com escritórios de advocacia, não usa jatinho de advogados
e tem decisões no tema referendadas pela unanimidade do colegiado, seu
protagonismo devolveria legitimidade a uma Corte atingida pelo desencanto com
interesses ocultos dos ministros.
A cruzada de Dino ainda teria como efeito
(nada) colateral a pegada “antissistema” que dominará 2026. Com a saída do
ex-presidente Jair Bolsonaro do jogo, esta bola está em disputa. O mote
governista desse domingo, “Congresso inimigo do povo”, antecipa um mote
possível do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não apenas para derrotar o
“candidato do Centrão”, o governador Tarcísio de Freitas, como para tentar
expandir a acachapante minoria em que se encontra no Legislativo.
Não dá para dizer que o mote de Lula nasceu
nesse domingo. A investida do governo contra o crime organizado, com a PEC da Segurança
e, principalmente, contra o PL Antifacção, respondia à cobrança por um discurso
para rebater a bandeira mais vistosa da direita, a violência. Logo ficou claro,
porém, que parlamentares pretendiam se valer da investida para blindar setores
da política que direta, ou indiretamente, têm relação com o crime organizado.
O Congresso ameaçava desfigurar ambos os
projetos, acrescentando ao desmonte o PL da Dosimetria. À exceção da Lei do
Devedor Contumaz, estava para piorar todo o arcabouço de combate ao crime
organizado, a ponto de o ministro Ricardo Lewandowski ter cogitado deixar a
Justiça. O adiamento da PEC e do PL antifacção para 2026, pelo rumo que vinham
tomando, é o melhor que poderia acontecer para o governo neste momento.
Do jogo afunilado no Congresso, vem a
centralidade da investida de Dino. A pergunta que se faz é qual será a risca de
giz do confronto com o Congresso. Ninguém duvida do quanto Mariângela Fialek
tem o Congresso na mão. A nota do presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), que reconhece os predicados da advogada, foi vista como um
afago anti-delação. O deputado tem experiência no tema. Dez anos atrás,
presidia a CPI da Petrobras, por delegação do presidente da Casa, Eduardo
Cunha, quando a comissão convocou e ameaçou a advogada de delatores, Beatriz
Catta Preta.
Os indícios de que muitas transações foram
registradas por celular podem levar a investigação do caso a prescindir de
delação. Há outros casos em curso na PF, porém, que não o fazem. A delação foi
um instrumento do qual muito se abusou, com denúncias inconsistentes e
benefícios exagerados. Foi aquela fechada por Mauro Cid que animou os
investigadores em relação a uma ressurreição do instrumento.
Os novos limites da delação parecem ter se
deslocado para a divisa do Amapá. Reportagem de Breno Pires, João Batista Jr. e
Arthur Guimarães, na Piauí, mostrou que o MPF recusou a proposta de delação
premiada de dois foragidos, Roberto Leme e Mohamad Mourad. A dupla dos
fraudadores do setor de combustíveis, mais conhecida por Beto Louco e Primo,
diz ter pago R$ 2,5 milhões para fechar as contas de um show em Macapá que
tinha Roberto Carlos como principal estrela, em troca da reversão de uma
decisão da ANP que proibiu sua empresa de funcionar. A decisão da Agência
Nacional de Petróleo foi mantida.
Seu alvo é o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), aquele que, até o STF elevar o quorum do impeachment,
era o principal zagueiro da Corte na Casa. Alcolumbre, que nega as acusações,
também foi agraciado pelo ministro Dias Toffoli com a condição de único senador
a ter acesso à quebra de todos os sigilos do banqueiro do Master, Daniel
Vorcaro, pedida na CPI do INSS. A previdência do Amapá, que investiu em CDBs do
banco, sem garantia, tem dirigentes indicados pelo senador.
O pano de fundo de tudo isso é que 2026 vai
colocar em jogo a equação que elegeu as atuais mesas diretoras do Legislativo.
O enredo mistura um ministro sem as amarras comuns do STF, um presidente
disposto a resgatar o eleitor largado na chuva pelo bolsonarismo e um Congresso
que, desde a ascensão do populismo de direita, tem se valido de sua aliança com
o Centrão para avançar na ocupação do Estado. O dono desta conta é o eleitor.

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