- O Globo | Folha de S. Paulo
Uma diplomacia que se preza age sempre pensando no dia seguinte; Maduro está frito, e depois?
O barão Anton von Magnus era o embaixador da Prússia no México em 1867. As tropas do presidente Benito Juárez haviam aprisionado e condenado à morte o príncipe austríaco Maximiliano de Habsburgo, que se intitulara Imperador do México. Todo mundo pedia pela vida do monarca deposto, do papa aos reis da Europa. O barão era o depositário de todas as esperanças de uma negociação com Juárez, reuniu-se com ele e transmitiu os apelos. Para horror da mulher de um general, quando Von Magnus voltou à cidade onde Maximiliano estava preso, trouxe consigo um embalsamador.
O barão era um diplomata. Devia pensar na vida do príncipe, mas também cuidava do dia seguinte, o do embarque de seus restos mortais para Viena. (Se ele fez algo errado foi contratar um mau embalsamador, pois o corpo de Maximiliano chegou em péssimo estado.)
Nicolás Maduro come todo dia e engordou na Presidência, mas está frito. A questão venezuelana depende do dia seguinte. O oposicionista Juan Guaidó pediu aos chanceleres do Grupo de Lima que considerassem "todos os cenários internacionais possíveis". Depois, esclareceu que no seu "todos" não incluía a hipótese de uma intervenção militar estrangeira. Já o vice-presidente americano, Mike Pence, lembrou as palavras de Trump, para quem "todas as opções estão sobre a mesa". A intervenção militar seria uma aventura que faria o gosto do governo americano. Felizmente, o governo de Jair Bolsonaro dissociou-se dessa possibilidade, juntando-se ao Chile, Peru, México e à União Europeia.
Hoje, as coisas parecem claras: Maduro é um ditador e Guaidó encarna a democracia. Há 51 anos, quando o general Marcos Pérez Jiménez foi posto para fora e fugiu do país, os militares que o derrubaram permitiram a reconstrução democrática do país. Ele havia sido um déspota corrupto fantasiado de inimigo da política tradicional. Passou o tempo e o coronel paraquedista Hugo Chávez chegou ao poder depois de um golpe fracassado e de uma eleição vitoriosa. Ele foi outro inimigo do sistema partidário e reabilitou o déspota, dizendo que Pérez Jiménez foi o melhor presidente da Venezuela: "Odiavam-no porque era militar". O general viveu no desterro durante 35 anos e morreu em 2001 na sua luxuosa casa de Madri.
Por mais que os Estados Unidos deixem no ar o caminho da intervenção militar, é improvável que Trump esteja disposto a entrar nessa aventura sozinho. Para ele, o ideal seria repetir a experiência de 1965 na República Dominicana. Tropas dos Estados Unidos invadiram a capital e um mês depois a OEA (Organização dos Estados Americanos) chancelou a intervenção enviando uma força multinacional. No ano passado o general Hamilton Mourão acreditava que isso poderia acontecer, mas mudou de ideia. Hoje essa carta parece ter saído do baralho e para isso contribuiu o próprio Mourão.
Na crise venezuelana muita gente está se comportando como o barão Von Magnus. Por mais que Guaidó flerte com uma intervenção militar, representantes de seu governo já se encontraram com diplomatas chineses em Washington para tranquilizá-los em relação aos seus investimentos no país. Diplomatas russos reconheceram que têm conversado extraoficialmente com agentes de Guaidó. Só o tempo dirá que carga Maduro embarcou num jato russo que pousou em Caracas há três semanas.
Numa trapaça da história, no 60º aniversário da entrada de Fidel Castro em Havana, um pedaço da esquerda latino-americana associou-se a uma ditadura que fechou a fronteira para impedir que uma parte de sua população deixe o país e que entrem caminhões com alimentos e remédios para quem não os têm.
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
Nenhum comentário:
Postar um comentário