- Valor Econômico
Bolsonaro rendeu-se à óbvia força política dos partidos
Quem está atento à política percebeu um ainda leve movimento de fortalecimento dos partidos. Caídos no fundo do poço até o ano passado, começaram a respirar aos poucos. Ainda não foram içados à superfície. Quando se insinuam para a vida a Operação Lava-Jato os coloca na lâmina da guilhotina, anunciando novas investigações e denúncias de corrupção. Apesar disso, se movem para cima, sutilmente.
Um exemplo de que não se conseguiu substituí-los como instrumento político de negociação no Congresso é a guinada estratégica que o presidente Jair Bolsonaro está tendo que dar, agora, para fazer andar a reforma da Previdência com o apoio de uma maioria ainda não consolidada, de diferentes partidos.
O presidente percebeu que não iria longe tentando construir sua base com as bancadas temáticas. Tanto na transição, quanto nos primeiros enunciados do novo governo no campo da articulação política, afirmou-se o propósito de reunir uma base de apoio parlamentar com as bancadas de cada setor de atividade. A interlocução seria com o conjunto dos ruralistas de todos os partidos que, inclusive, ganharam um ministério e muitos outros cargos afins na feira de trocas.
A bancada da bala, robustecida nesta legislatura por um grande número de militares e policiais eleitos, foi recebida e considerada em todas as negociações; a bancada da saúde, também com ramificações em vários partidos, ganhou força e poder em cargos-chave, e assim outras menos presentes nas exigências de vantagens.
Foram feitas reuniões, distribuídos cargos, mas logo se viu que a bancada temática está interessada apenas no seu tema, ou seja, o negócio que representa, e não na agenda do governo ou do Brasil. O primeiro alerta foi do deputado Alceu Moreira, em entrevista ao Valor, quando deixou claro que os interesses da agricultura são uma coisa, e a votação da reforma da Previdência outra muito diferente.
São muitos os sinais da volta dos partidos ao eixo da negociação política desde que tomou posse o novo Congresso. Ontem mesmo, na posse da nova diretoria brasileira de Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu, Bolsonaro informou quanto espera do Congresso: "Não temos a menor dúvida de que o Parlamento fará as correções que têm que ser feitas. Não somos perfeitos, as propostas têm que ser aperfeiçoadas, contamos com o patriotismo dos parlamentares", completou. O patriotismo é um conceito, o ato de negociar outro, mas podem se fundir.
O Congresso são os partidos, os parlamentares que têm mandato e que estão ligados ao seu diretório local, ao diretório nacional, ao prefeito, ao projeto de reeleger-se no futuro, rede de interesses que embalam as legendas.
É nítida a mudança de status. O PT, que havia sido destruído pelas denúncias de corrupção, recuperou o fôlego e já tem vitalidade, hoje, por exemplo, até para dividir-se e brigar pela troca da sua direção. A atual está esturrada.
Jaques Wagner, ex-governador da Bahia e ex-ministro da Defesa e Casa Civil, é um PT forte, no Senado, que não pode ser desconsiderado. Líder da bancada, elegeu o senador Angelo Coronel, do PSD da Bahia, também no seu rastro, depois de ter sido seu vice no governo. É respeitado, tem visão crítica do partido e condições de reunir o que sobrou da tropa em torno de projeto comum.
O PSDB, também por causa da Lava-Jato, que atingiu na testa seu ex-presidente, vinha tentando recompor-se no Parlamento depois de um pífio desempenho eleitoral na sucessão presidencial de 2018. O senador Tasso Jereissati preservou-se e uma nova história poderia ser contada a partir dele, mas outra bordoada das investigações, com a nova prisão de Paulo Vieira de Souza, o operador do partido, deu a impressão que iria novamente ao chão. Porém, isso não ocorreu. Foi atingido o ex-senador e ministro Aloysio Nunes Ferreira, mas estão ainda intactos Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, o governador de São Paulo, João Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, os senadores tendo como referência o próprio Tasso Jereissati, entre outros núcleos partidários sobreviventes bem resolvidos e localizados. A partir daí dá para construir algo.
Uma boa base inclui, por que não, o MDB. Acredite-se ou não, o MDB está vivo e está no governo Bolsonaro, em cargo de destaque. Leonardo Quintão é o secretário de articulação política da Casa Civil, um dos ajudantes do ministro Onyx Lorenzoni no grupo encarregado de fazer a negociação com o Congresso para formar a base de apoio.
No mesmo grupo estão muitos outros políticos representando seus partidos no perto do poder de negociação, inclusive políticos do PSDB. O lider do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, também é do MDB; o ministro Osmar Terra, que controla o Bolsa Família, é do MDB.
Sobre a força do DEM nem é preciso falar: comanda o Senado Federal com Davi Alcolumbre, uma vitória espetacular sobre grupos e métodos tradicionais de alçar-se ao poder; a Câmara com Rodrigo Maia e a própria Casa Civil com Onyx. Está no topo da política.
Bolsonaro tentou, mas não conseguiu driblar a realidade. São os partidos que detêm as regras de candidaturas, de alianças, de espaço político de seus filiados. Vejamos uma amostra: foram escolhidos ontem os vice-líderes do governo na Câmara, ilustres desconhecidos, que vão negociar com os deputados a votação da reforma da Previdência.
Romper com o partido tira do parlamentar condições de representação de forma institucional, os deputados líderes devem rechaçar o atalho. São os partidos, com seus líderes e dirigentes, as partes dessa negociação, sob pena de nada andar no Congresso. Que se prepare o governo, ministro da Economia à frente, para falar com o baixo clero, hoje a maioria do Congresso.
Ao avançar na construção de uma aliança capaz de fazer uma base política numerosa, Bolsonaro dispôs-se a receber, ontem, os líderes de partidos e definiu sete dos 14 vice-líderes do governo na Câmara. O líder, Major Vítor Hugo (PSL-GO), assegura que Bolsonaro já acatou as indicações de Major Fabiana (PSL-RJ), Coronel Armando (PSL-SC), Carlos Jordy (PSL-RJ), Darcísio Perondi (MDB-RS), Lucas Vergílio (SD-GO), Capitão Augusto (PR-SP) e José Medeiros (Podemos-MT) para as vice-lideranças. Fora a óbvia expansão política do PSL, seu partido, o presidente conseguiu formar um grupo de políticos que deve ser eficiente, mas sobre quem nunca se ouviu falar.
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