Por William Horobin | Bloomberg, / Valor Econômico
PARIS - A França está soando um alarme às economias mais ricas: o capitalismo está provocando fissuras.
O presidente Emmanuel Macron e seu ministro das Finanças, Bruno Le Maire, estão usando a Presidência da França do G-7 (países mais industrializados) para argumentar que o sistema alimenta a desigualdade, destrói o planeta e é ineficaz em cumprir metas de interesse público. O país já enfrenta algumas das consequências com o movimento "coletes amarelos", que estourou há quatro meses.
Macron e Le Maire estão promovendo uma reinvenção que inclui tributação global mínima e impostos mais altos para gigantes da tecnologia, como Amazon e Facebook. Há ecos disso nos democratas autoproclamados socialistas nos EUA e na incendiária congressista Alexandria Ocasio-Cortez, que na semana passada disse que "o capitalismo é irremediável".
"Se não inventarmos um novo capitalismo, soluções econômicas absurdas vão ganhar força e nos levarão à recessão", disse Le Maire em entrevista no fim de fevereiro.
Um exemplo é a Itália, onde o governo populista chegou ao poder em meio a uma onda de indignação pública. A coalizão formada pelo antiestablisment Movimento 5 Estrelas e a Liga, de direita, abandonou rapidamente a responsabilidade fiscal, o que elevou os juros dos títulos da dívida e reduziu a confiança, ajudando a empurrar sua economia para uma recessão.
Le Maire, de 49, é o mais jovem ministro das Finanças entre seus homólogos do G-7. Sua ambiciosa plataforma inclui combate à desigualdade de renda, capacitar os governos a intervir na economia e forçar as empresas a serem socialmente responsáveis??e compartilharem uma parcela maior dos lucros com os trabalhadores.
Embora algumas medidas de desigualdade de renda tenham diminuído, o FMI diz que isso é reflexo do crescimento em muitas economias em desenvolvimento. Mas muitos ainda sentem que não estão recebendo uma parcela decente por causa da disparidade salarial, enorme concentração de riqueza e dos níveis de pobreza.
O alerta de Le Maire reflete um pânico que se espalha nas democracias ocidentais sobre a fúria dos eleitores. O próximo golpe pode acontecer nas eleições para o Parlamento Europeu em maio, quando os políticos eurocéticos deverão ampliar sua bancada.
"O capitalismo funciona quando muitas pessoas têm uma chance razoável de se saírem bem no mercado", disse Raghuram Rajan, ex-presidente do banco central da Índia, que escreveu um livro sobre "comunidades" e que repensa o capitalismo. "Desperdiçamos 10 anos desde a crise financeira ao não nos concentrarmos realmente nessas coisas e esperamos que um estímulo após o outro possa, de algum modo, eleve o crescimento."
Na França, a resposta automática do governo aos coletes amarelos foi jogar dinheiro no problema, mas também houve uma percepção de que isso só não basta.
Macron, que tem uma ligeira vantagem sobre o partido de extrema-direita Frente Nacional de Marine Le Pen, começou o que chamou de "grande debate" nacional que levou ele e seus ministros ao redor do país para ouvir as preocupações das pessoas.
"Você não pode lutar contra o populismo com promessas de mais do mesmo", disse a economista-chefe do Société Générale, Michala Marcussen.
Le Maire já calculou mal antes. Há dois anos, como pré-candidato à Presidência pelo partido de centro-direta Os Republicanos, ele propôs uma versão dos contratos de meio período e baixa remuneração da Alemanha, conhecidos como mini-empregos, que ele acreditava que levariam as pessoas ao trabalho e reduziria o desemprego. Isso, ele reconhece, foi um erro. Na primária presidencial ele recebeu menos de 3% dos votos.
Agora, Le Maire defende políticas que tragam valor ao trabalho. Um projeto de lei no Parlamento visa reformular um esquema de participação nos lucros inventado por Charles de Gaulle e também pode forçar as empresas a publicarem salários médios para expor as desigualdades.
"Se queremos que o capitalismo se mantenha, o trabalho deve ser melhor remunerado", disse Le Maire. "Chega um momento em que os trabalhadores não toleram mais."
Juntamente com as mudanças nas relações entre trabalho e capital, Le Maire também quer repensar as ligações entre o Estado e o capital. Mas isso vem com contradições: ele quer cortar as asas das gigantes da tecnologia global, enquanto anula a lei de concorrência para permitir a criação de campeãs europeias. A opinião de Le Maire é que há poucas opções se a Europa não quiser depender de gigantes americanas ou chinesas.
"Para financiar esse novo modelo capitalista, nos falta dinheiro, é simples assim", disse Le Maire. "É muito bom dizer que poderemos mudar os chineses, mas acho que é sobretudo os chineses que vão nos mudar."
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