- Folha de S. Paulo
Estímulo a violência e ignorância é subproduto de algoritmos num mundo complexo
O ser humano cuja vida há 100 mil anos dependia de um punhado de parentes e pessoas conhecidas não se distingue, biologicamente, do que hoje se relaciona com milhões de indivíduos desconhecidos.
Na aldeia ou na metrópole, a consciência do tempo e, com ela, a incerteza do futuro tornaram-se um fardo a carregar. Daí a ubiquidade de sistemas simbólicos que, da religião ao direito, dos códigos de conduta às doutrinas políticas, atuam para estabilizar as expectativas do porvir.
De um lado, tais algoritmos da vida social produzem conforto e segurança. Induzem-me, por exemplo, a trocar todo o resultado do meu trabalho por uma cifra impressa na tela. De outro, podem estimular a solidariedade de tipo tribal e a violência contra quem não pertence ao grupo.
As redes sociais oferecem uma bússola eficiente e ansiolítica para navegar neste mundo complexo. Apresentam o indivíduo a seus símiles em pensamento e convicção, onde quer que estejam no globo. Expatriam e demonizam o contraditório, essa pedra no sapato da paz de espírito.
Alimentadas nesse dínamo de reiterações e aproximações, eclodem chacinas embaladas em adoração religiosa, xenofobia ou mera ambição espetaculosa, como parece ter ocorrido no massacre de adolescentes em Suzano e na matança de muçulmanos na Nova Zelândia —este caso associado também à ideologia da supremacia do homem branco.
A convicção que mata é a mesma que emburrece, numa escala muito maior. Vários temas que preocupam a opinião pública oferecem mais de uma resposta teoricamente possível.
Se aceito a hipótese de que armar a população pode ter efeito dissuasório contra o crime, deveria aceitar também a de que, ao ampliar a oferta de artefatos letais, pode aumentar assassinatos e suicídios. E que a melhor ciência diga qual é o efeito preponderante em cada contexto.
Mas os convictos e os valentões das redes espancam de saída qualquer hipótese ou método capazes de frustrar a sua cômoda ignorância.
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