segunda-feira, 18 de março de 2019

Sergio Lamucci: A armadilha do baixo crescimento

- Valor Econômico

Situação no mercado de trabalho é especialmente grave

A fraqueza da economia brasileira impressiona. A recessão ficou para trás há mais de dois anos, mas o crescimento registrado desde 2017 é pífio. A esperada e necessária aceleração da retomada cíclica tem sido seguidamente adiada - hoje, boa parte das projeções aponta para uma expansão do PIB neste ano em torno de apenas 2%, um desempenho medíocre depois de dois anos de altas pouco superiores a 1%. O desemprego segue nas alturas, tendo alcançado 12% nos três meses até janeiro, o equivalente a 12,7 milhões de pessoas.

A avaliação de muitos analistas é de que um avanço mais forte tende a ocorrer no segundo semestre de 2019 ou mais provavelmente só em 2020, na hipótese de que uma reforma da Previdência relativamente robusta seja aprovada ainda neste ano. Isso diminuiria as incertezas quanto à sustentabilidade das contas públicas, abrindo espaço para os juros caírem um pouco mais e para o programa de concessões de infraestrutura deslanchar.

Enquanto isso não ocorre, os sinais desanimadores sobre a atividade se acumulam. Em janeiro, a produção industrial caiu 0,8% em relação a dezembro, ao passo que o o volume de serviços recuou 0,3%. Já o desemprego subiu pelo quarto mês seguido, na série com ajuste sazonal da LCA Consultores. Ao mesmo tempo, a inflação segue domada, rodando abaixo da meta deste ano, de 4,25%.

Essa combinação de atividade fraca com inflação baixa sugere que os juros estão fora do lugar, havendo espaço para uma Selic menor - a taxa está em 6,5% ao ano desde março do ano passado. Uma parcela expressiva dos analistas, porém, considera que a reforma da Previdência precisa pelo menos estar bem encaminhada no Congresso para o Banco Central (BC) cortar mais os juros.

A A.C. Pastore & Associados trabalha com a possibilidade de uma redução da Selic de 1 ponto percentual no segundo semestre, para 5,5%. Mas, para isso, vê como necessária "a remoção do risco de fracasso na consolidação fiscal", o que "depende crucialmente" da aprovação de uma reforma da Previdência robusta. "Nunca é demais lembrarmos que sem o devido 'lastro' fiscal ocorrerá um aumento da percepção de riscos, que se reflete nos preços dos ativos", diz, em relatório, a consultoria do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore. "Uma de suas manifestações é o aumento da inclinação positiva da curva de juros, o que, na melhor das hipóteses, reduz a eficácia da política monetária."

É uma ponderação importante, que mostra a relevância da reforma da Previdência para o país. A mudança do sistema de aposentadorias não levará o país a crescer a taxas elevadas de uma hora para outra, mas, sem ela, até mesmo a tímida recuperação em curso tende a ser abortada.

A fraqueza da economia por um longo período causa grandes preocupações. O quadro no mercado de trabalho é especialmente grave. No quarto trimestre do ano passado, 3,1 milhões de pessoas estavam há dois anos ou mais procurando emprego, o equivalente a mais de um quarto do total de 12,2 milhões de desempregados no período (ainda não há dados deste ano sobre esse aspecto). Trabalhadores que ficam sem ocupação por muito tempo têm mais dificuldade para voltar ao mercado - há o risco de estarem desatualizados, num cenário de rápidas mudanças tecnológicas.

A situação da indústria também é delicada. Em janeiro, a produção industrial estava 17% abaixo do nível máximo atingido em maio de 2011.

Se a reforma da Previdência demorar no Congresso, a economia tenderá a seguir em marcha lenta, o que pode dificultar a própria aprovação da proposta. Uma atividade que não reage começará a contaminar a popularidade de Jair Bolsonaro. O presidente obteve uma votação expressiva e tem ainda capital político elevado, mas a fraqueza da economia e o alto desemprego passarão aos poucos a ser colocados na conta do atual governo.

Nesse cenário, a percepção de que a reforma da Previdência está bem encaminhada, com a primeira votação da proposta na Câmara dos Deputados, pode ser o gatilho para o BC iniciar uma nova rodada de redução dos juros. Numa hipótese razoavelmente otimista, isso ocorreria em meados do ano. Esse talvez seja o caminho escolhido pela autoridade monetária, embora haja quem considere que os juros já deveriam ter começado a cair, caso de Sérgio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do BC e assessor da presidência da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Como a política fiscal deve ser contracionista nos próximos anos, dada a penúria das contas públicas, há espaço para juros bem mais baixos daqui para frente - desde que seja aprovada a reforma da Previdência e sejam adotadas outras medidas para enfrentar o desequilíbrio fiscal.

Num prazo mais curto, o investimento em infraestrutura também pode ajudar a estimular a atividade. O país tem um enorme déficit na área e há grande interesse de investidores privados, domésticos e estrangeiros, de atuar no segmento. Uma onda de gastos em infraestrutura pode dar um gás importante para a atividade, contribuindo ainda para aumentar a produtividade da economia. Os maiores investimentos no setor, contudo, tendem a ocorrer a partir de 2020, passada a reforma da Previdência e com a adoção de medidas para melhorar o ambiente de negócios.

A principal vulnerabilidade do país é o baixo crescimento, como disse em evento recente no Valor o ex-diretor do BC José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto de Economia Brasileira (Ibre) da FGV. "Além das questões sociais, quem não cresce tem maiores dificuldades para saldar dívidas, tanto públicas como privadas", lembrou Senna, afirmando ainda que "a reforma da Previdência é a melhor candidata para destravar o crescimento, mas não é tudo."

A mudança no sistema de aposentadorias é a primeira de uma série de medidas necessárias para o país crescer a taxas mais elevadas. No entanto, não é suficiente nem para resolver sozinha o problema fiscal - o governo terá, por exemplo, de mudar a forma de correção do salário mínimo, provavelmente limitando-a à variação da inflação passada, além de segurar pressões de aumento salarial por parte dos funcionários públicos. 

Para aumentar a produtividade - o que vai definir de fato se o país conseguirá crescer com mais força no longo prazo-, será necessário simplificar o sistema tributário, abrir a economia e promover privatizações, entre outras medidas. Uma agenda complexa e difícil, que vai exigir muito da capacidade de gestão e de articulação política do governo. Sem isso, o Brasil continuará preso na armadilha do baixo crescimento.

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