Brasil e Estados Unidos - as duas maiores economias do continente americano e as duas principais democracias do mundo ocidental - inauguram nesta semana uma nova etapa em suas relações. Tudo conspira para uma boa química entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, que se reúnem pela primeira vez amanhã, na Casa Branca. Empatia entre mandatários é sempre elemento relevante, mas insuficiente, por si só, para viabilizar avanços transformadores numa relação bilateral, em um mundo regido por pressões e disputas de poder.
Movido pela convicção de que "só Trump pode salvar o Ocidente", conforme escreveu em uma revista do Itamaraty, o chanceler Ernesto Araújo vê a retomada de uma parceria negligenciada por seus antecessores nas últimas décadas. "Desperdiçamos muitas oportunidades por uma simples má vontade de sucessivos governos em trabalhar com esse parceiro tradicional", comentou Araújo, em entrevista na sexta-feira. Há exagero e simplificação nas declarações do ministro.
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton tinham admiração intelectual um pelo outro, bem como as primeiras-damas, mas o tucano precisou lidar com crises econômicas durante todo seu segundo mandato e o democrata enfrentava restrições domésticas para soltar as asas em voos comerciais. Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush, ambos com jeitão franco e pouco afeitos ao mise-en-scène diplomático, contrariaram quem esperava dificuldades ideológicas entre um petista e um republicano. Deram-se surpreendentemente bem, mas os Estados Unidos voltaram-se de tal forma à agenda de segurança, com os atentados terroristas e a Guerra do Iraque, que o Brasil desapareceu do radar americano.
Nem vale a pena refletir muito sobre o período da dupla Dilma Rousseff-Barack Obama, quando uma visão alinhada de mundo sucumbiu ao escândalo de espionagem eletrônica da Agência de Segurança Nacional (NSA) e paralisou os esforços de aproximação. Michel Temer, em seus dois anos e meio, limitou-se a uma política externa de contenção de danos.
Agora, muitas atenções estão voltadas a temas específicos da pauta bilateral: o acordo de salvaguardas tecnológicas para uso da base de Alcântara (MA), o reconhecimento do Brasil como aliado relevante extra-Otan dos Estados Unidos na área militar, isenção de vistos, barreiras mútuas às exportações, principalmente do setor agropecuário (carnes bovina e suína, trigo, etanol, açúcar, melão).
Ganhos imediatos no varejo poderão e deverão ser comemorados, mas a passagem de Bolsonaro por Washington abre caminho para mais. Ele e Trump têm uma convergência quase total de comportamento, convicções e jeito de governar: abusam das redes sociais como comunicação direta com eleitores, desprezam frequentemente a mídia profissional, fazem apologia das armas, alimentam desconfiança sobre instituições multilaterais. Ambos procuram aliados externos para suas concepções peculiares. É natural que vejam, um no outro, alguém com valores semelhantes e disposição para aprofundar o relacionamento Brasil-Estados Unidos.
Se houver mesmo boa química, estará aberta uma avenida para significativos avanços, mas sua efetivação dependerá mais dos trabalhos na superfície. Ao contrário de uma cúpula bilateral com a China, em que diretrizes anunciadas pelas maiores autoridades do Partido Comunista se refletem quase automaticamente em toda a cadeia decisória, Brasil e Estados Unidos têm estruturas de governo bastante descentralizadas, com tecnocracia sólida, agências e autarquias federais gozando de relativa autonomia. As máquinas administrativas de cada país vão definir, em grande medida, quanto progresso poderá ser realmente feito nos próximos anos.
Nesse sentido, o que mais vale no momento é a sinalização clara pelos presidentes de um relacionamento altamente prioritário, mas bem equilibrado. Para o Brasil, isto significa mostrar que há um desejo sincero de estar perto dos Estados Unidos, não de um governo específico. Até porque Trump entra progressivamente em "modo campanha" e tem pouco mais de 18 meses antes da próxima eleição presidencial. E deixar evidente, em Washington, que se busca uma relação equilibrada. Sem um alinhamento automático e infantil, principalmente em questões defendidas pelo ocupante da Casa Branca em que o Brasil tem pouco ou nada a ganhar, como relativização do aquecimento global, mudança de endereço da embaixada em Israel, retórica anti-China, enfraquecimento do multilateralismo.
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