The New York Times / Folha de S. Paulo
Progressistas não deveriam ceder ao fatalismo tecnológico fácil
Um dia desses, me apanhei discutindo defasagens salariais e a desigualdade econômica cada vez maior, em uma conferência –como faço frequentemente. Muito do que estava sendo discutido era interessante.
Mas uma coisa que chamou minha atenção era o número de participantes que pareciam presumir que os robôs eram grande parte do problema –as máquinas estão roubando os bons empregos, ou mesmo os empregos em geral.
E essa ideia em geral não estava sendo apresentada como hipótese –era como se fosse algo de conhecimento comum.
A suposição tem implicações reais para a discussão de políticas públicas. Por exemplo, boa parte da agitação por um sistema de renda básica universal vem da crença de que os empregos se tornarão ainda mais escassos, quando o apocalipse dos robôs varrer a economia.
Assim, me parece uma boa ideia apontar que, nesse caso, aquilo que todo mundo sabe não é verdade.
Previsões são difíceis, especialmente sobre o futuro, e pode ser que os robôs realmente venham a roubar todos os nossos empregos, um dia desses. Mas a automação simplesmente não tem papel importante na história do que aconteceu com os trabalhadores dos Estados Unidos nos últimos 40 anos.
Temos um grande problema –mas ele tem pouco a ver com tecnologia e muito a ver com política e poder.
Recuemos por um minuto, para perguntar o que exatamente é um robô. É claro que ele não precisa ser parecido com C3-PO, e nem rolar pelo mundo dizendo "exterminar! Exterminar!" Do ponto de vista econômico, um robô é qualquer coisa que use a tecnologia para executar trabalhos antes executados por seres humanos.
E os robôs, nesse sentido, vêm transformando nossa economia literalmente há séculos. David Ricardo, um dos pais fundadores da economia, escreveu sobre os efeitos desordenadores da maquinaria já em 1821!
Hoje em dia, quando as pessoas falam sobre o apocalipse robô, em geral não pensam em coisas como a mineração a céu aberto, ou a remoção do topo de montanhas para exploração de minérios. Mas essas tecnologias transformaram radicalmente a mineração de carvão. A produção de carvão quase dobrou entre 1950 e 2000 (só começou a cair alguns anos atrás), mas o número de pessoas empregadas pelo setor carvoeiro dos Estados Unidos caiu de 470 mil para menos de 80 mil.
Ou considere o caso do transporte de cargas em contêineres. Os estivadores costumavam ser parte importante do cenário nas grandes cidades portuárias. Mas embora o comércio mundial tenha disparado, da década de 1970 em diante, o número de trabalhadores americanos empregados no "tratamento de carga marítima" caiu em dois terços.
Assim, o desordenamento tecnológico não é um fenômeno novo. Mas será que podemos dizer que está se acelerando? Os dados dizem que não. Se robôs realmente estivessem substituindo trabalhadores em escala maciça, a expectativa seria de que a quantidade de coisas produzidas por trabalhador remanescente –a produtividade do trabalho– disparasse. Na verdade, a produtividade cresceu muito mais rápido da metade da de 1990 à metade da década de 2000 do que de lá para cá.
Assim, a mudança tecnológica é história velha. O que mudou é que os trabalhadores não vêm compartilhando de seus frutos.
Não estou dizendo que lidar com a mudança tenha sido fácil, em qualquer momento. O declínio do emprego na mineração de carvão teve efeitos devastadores sobre muitas famílias, e boa parte do território que costumava produzir carvão nunca se recuperou. A perda de trabalhos braçais nas cidades portuárias certamente contribuiu para a crise social urbana das décadas de 1970 e 1980.
Mas embora o progresso tecnológico sempre tenha deixado vítimas, até os anos 70 o crescimento da produtividade se traduzia em alta de salários para a maioria dos trabalhadores. Essa conexão se rompeu, e não foram os robôs que causaram o rompimento.
Qual foi a causa? Existe consenso crescente, embora não completo, entre os economistas de que um fator chave para a estagnação dos salários foi a perda de poder de negociação dos trabalhadores –um declínio cujas raízes são em última análise políticas.
Uma causa óbvia é que o salário mínimo federal dos Estados Unidos, considerada a inflação, caiu em um terço nos últimos 50 anos, enquanto a produtividade dos trabalhadores aumentava em 150%. Essa divergência aconteceu por motivos políticos, pura e simplesmente.
O declínio dos sindicatos, que representavam um quarto dos trabalhadores dos Estados Unidos em 1973 mas hoje só representam 6% deles, pode não ter causas políticas evidentes. Mas outros países não sofreram declínios parecidos. No Canadá, a proporção de trabalhadores sindicalizados hoje equivale à dos Estados Unidos em 1973; nos países nórdicos, os sindicatos representam dois terços das forças de trabalho. O que fez dos Estados Unidos uma exceção é o ambiente político fortemente hostil à organização dos trabalhadores e altamente favorável aos empregadores determinados a destruir os sindicatos.
E o declínio dos sindicatos fez uma enorme diferença. Veja o caso dos caminhoneiros: no passado, dirigir caminhões era um bom emprego, mas agora o salário é um terço mais baixo do que na década de 1970, e as condições de trabalho são terríveis. O que causou essa mudança? O esvaziamento dos sindicatos é grande parte da história.
E esses fatores facilmente quantificáveis são apenas indicadores de um viés sustentado de antagonismo aos trabalhadores em nossa política.
O que me reconduz à questão de por que falamos tanto sobre robôs. A resposta, eu proporia, é que essa é uma forma de desviar a atenção –uma maneira de evitar admitir que nosso sistema é distorcido em desfavor dos trabalhadores, da mesma maneira que falar de uma "lacuna de capacitações" sempre foi uma forma de desviar a atenção quanto a más políticas que promovem alto desemprego.
E os progressistas, mais que qualquer outro grupo, não deveriam se deixar enredar por esse fatalismo fácil. Os trabalhadores americanos poderiam, e deveriam, estar recebendo um tratamento muito melhor. E se isso não acontece, a falha não está em nossos robôs, mas em nossos líderes políticos.
(Tradução de Paulo Migliacci)
*Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.
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