- Valor Econômico
Parlamentares querem alterar PEC do pacto federativo
A prosa tem uma leve mudança de rumo, quando se pergunta a auxiliares próximos do presidente da República sobre um ponto específico da proposta de pacto federativo que tramita no Congresso. Durante a conversa, predomina a confiança no avanço da agenda legislativa no ano que vem. Mas há um indisfarçável ceticismo quanto à possibilidade de deputados e senadores aprovarem um dispositivo que reduzirá o número de municípios do país.
A portas fechadas, essas autoridades examinam com pragmatismo os desafios da articulação política. E o tema não é tratado como tabu.
Bolsonaro ganhou a eleição prometendo revolucionar a interação entre os Poderes. Quase um ano depois de ele ter tomado posse, é possível afirmar que não decepcionou seus eleitores. Por outro lado, também é correto dizer que as relações entre os articuladores políticos do Palácio do Planalto e os parlamentares estão longe do patamar ideal.
Isso não impede que o governo tenha clareza dos obstáculos que enfrentará. Esses auxiliares de Bolsonaro sabem, por exemplo, o erro que seria menosprezar a potência do instinto de sobrevivência de deputados federais e senadores. Para eles, prefeitos e vereadores são a mão de obra utilizada nas campanhas eleitorais. Ou seja: quanto mais municípios, maior será a força de trabalho à disposição.
O presidente Jair Bolsonaro parece não seguir essa lógica. Na última campanha eleitoral, priorizou a comunicação direta com os eleitores por meio das redes sociais. Atualmente não demonstra grandes preocupações com a possibilidade de seu novo partido, o Aliança pelo Brasil, não conseguir lançar candidatos no pleito municipal de 2020. O presidente também não tomou conhecimento do perigo de acabar transformando em uma legião de adversários os prefeitos das cidades que podem ser extintas.
A ameaça a uma parte considerável dos gestores municipais consta da Proposta de Emenda Constitucional 188 de 2019. A PEC visa, entre outras medidas, tirar do mapa do Brasil os municípios incapazes de se sustentar.
O critério foi definido pela equipe econômica e apresentado formalmente pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). A nota de corte é objetiva: municípios de até 5 mil habitantes deverão, até o dia 30 de junho de 2023, demonstrar que o produto da arrecadação dos impostos municipais corresponde a, no mínimo, 10% da sua receita total. Caso contrário, o município será incorporado a partir de primeiro de janeiro de 2025 ao município limítrofe com melhor sustentabilidade financeira. Essa espécie de fagocitose municipal será limitada a até três unidades por cada prefeitura incorporadora.
A apuração da quantidade de habitantes será baseada nos dados do censo populacional de 2020. Isso, claro, se houver recursos para a realização do levantamento pelo IBGE.
A PEC também estabelece que uma lei complementar federal poderá fixar requisitos de viabilidade financeira para a criação e o desmembramento de municípios.
A reação dos prefeitos e vereadores foi rápida e bem articulada. Representantes da Confederação Nacional dos Municípios circularam pela capital federal com um estudo em mãos, a fim de sensibilizar parlamentares e a equipe econômica. Segundo a CNM, 1.252 dos 5.568 municípios têm até 5 mil habitantes. Desses, 1.217 serão incorporados se não conseguirem comprovar sua sustentabilidade financeira. Cerca de 4 milhões de pessoas moram nessas localidades.
Um efeito colateral, na visão do governo. Para a equipe econômica, essa será uma forma eficaz de reduzir despesas, descentralizar a gestão dos recursos e ampliar os instrumentos de controle.
A ala política do governo é mais assertiva: a medida é necessária para reduzir “fontes de roubalheira”. Na visão de um ministro, trata-se de uma necessidade do ponto de vista ético, pois haveria uma redução substancial no número de prefeitos, vices, secretários e vereadores. Se confirmada, a economia será considerável. “Mas a política não se pauta por essas coisas”, resignou-se o ministro.
A CNM listou os Estados que seriam os principais atingidos. Bolsonaro venceu a eleição em todos eles: Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, Santa Catarina e São Paulo.
É possível também mapear os partidos que mais perderiam prefeitos de um dia para outro. No topo da lista está o MDB, sigla dos líderes do governo no Senado e no Congresso. O relator da PEC, senador Márcio Bittar (AC), também é filiado à legenda. A boa notícia para ele é que atualmente nenhum município de seu Estado seria alcançado pela regra.
PSDB, PP, PSD, PR, PT e DEM também seriam grandes prejudicados. Unidos, esses partidos teriam votos suficientes para barrar uma proposta de emenda constitucional.
Um outro fator deve ser levado em consideração. Grande parte dos municípios extinguíveis é do interior e depende da agropecuária. Eles não atraem indústrias nem contam com boas ofertas de serviços.
Portanto, teriam poucas alternativas para aumentar a arrecadação e sair da lista da degola. Muitos são redutos eleitorais da bancada ruralista, uma das mais influentes do Congresso e com a qual Bolsonaro tenta manter um relacionamento mais próximo.
Não é de hoje, no entanto, que o tema provoca desgastes entre os Poderes, os governadores e os prefeitos. Quando há a emancipação ou criação de um novo município, o que está em jogo é o rateio de recursos públicos e o domínio político local. A ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, vetou projeto que viabilizava a criação de novos municípios e provocou uma crise com seus aliados a poucos meses das eleições de 2014. O veto foi derrubado pela própria base governista.
Por via das dúvidas, o Congresso dedicou-se nos últimos dias a aprovar uma série de projetos que ampliam as fontes de recursos para os municípios. Se o governo surpreender e conseguir aprovar a medida, os parlamentares têm um plano alternativo. Questionarão a iniciativa na Justiça, sob o argumento de que a Constituição prevê a consulta prévia, por meio de plebiscito, a toda população diretamente envolvida na criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios. O mais novo capítulo dessa polêmica apenas começou.
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