- O Globo
Condenado a 267 anos de prisão, Cabral driblou a Lava-Jato e fechou um acordo duvidoso com a Polícia Federal. Agora o Supremo está diante de um dilema que ele mesmo criou
Sérgio Cabral já contava oito meses de cana quando aceitou responder às primeiras perguntas do juiz Marcelo Bretas. Em tom de indignação, o ex-governador encenou o papel de vítima. “Nunca houve propina, nunca houve 5%. Que maluquice é essa?”, desafiou.
A Lava-Jato fluminense já havia descoberto desvios de R$ 300 milhões, mas ele insistiu na tática da negação. “Não sou corrupto e não negociei propina”, disse, dois dias depois. Quando o juiz perguntou se estaria diante de um grande complô, Cabral arriscou um gracejo: “Não sei, doutor. Mas eu não matei Odete Roitman”.
Preso em novembro de 2016, o ex-governador só começaria a confessar seus crimes em fevereiro de 2019. Hoje ele acumula 12 condenações, cujas penas somam 267 anos de cadeia. Com essa folha corrida, conseguiu driblar o Ministério Público e fechar um acordo de delação com a Polícia Federal.
A negociação parece estranha porque Cabral era o chefe da quadrilha que saqueou o Rio e prometeu devolver dinheiro que já foi apreendido. Além disso, os procuradores entendem que o emedebista teria pouco a revelar. Suas gatunagens já são bem conhecidas, da distribuição de mesadas à compra de joias para a primeira-dama.
O ex-governador encarnou o corrupto de almanaque, que usa a política para pilhar os cofres públicos e levar uma vida de alto luxo. Mandá-lo para casa depois de três anos soaria como vitória da impunidade. A Lava-Jato já assinou acordos duvidosos, como os que beneficiaram Delcídio do Amaral e Joesley Batista. Livrar o emedebista em troca de migalhas pode desmoralizar de vez as delações.
Cabral tem uma chance: revelar segredos da cúpula do Judiciário. Ele influiu na nomeação de ao menos quatro ministros do STJ e um do STF. Ainda não está claro se tem provas concretas contra os figurões.
No ano passado, o Supremo autorizou a polícia a negociar delações à revelia dos procuradores. Agora o tribunal está diante de um dilema que ele mesmo criou. Se confirmar o acordo, será acusado de salvar um ladravaz. Se rejeitá-lo, pode passar a impressão de que protegeu colegas de toga.
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