- O Globo
Guedes está munido de paciência e uma determinação: não aumentar a carga tributária, ao contrário, rebaixá-la
Quando visitei a China pela primeira vez, em 2003, o pagamento com cartão de crédito estava começando, e não raras vezes tínhamos que ensinar os vendedores a usar a máquina, que era manual. Hoje, não há mais na China máquinas manuais, muito menos papel-moeda. Tudo se paga com aplicativos do celular.
É de olho nesse mercado, que avança com atraso, mas rapidez, no Brasil, que o ministro Paulo Guedes, em entrevista na Central Globonews, confirmou estar estudando o imposto sobre transações digitais, muito mais amplo que a CPMF, demonizada pela população, como diz o presidente Bolsonaro.
A rapidez da mudança ocorrida na China, comparada à do Brasil, mostra bem porque estamos atrasados em quase tudo, num mundo que se transforma em velocidade que não é mais analógica. Até mesmo a CPMF tem que ser digital.
Para conseguir convencer o presidente de que esse é um imposto mais justo, pois pegará todos, especialmente os que hoje não pagam, trabalhando à margem do sistema tributário, PG, como o chama Bolsonaro, está munido de paciência e de uma determinação: não aumentar a carga tributária, ao contrário, rebaixa-la.
O caso do ex-secretário Marcos Cintra, que foi demitido depois de defender o mesmo imposto que agora ressuscitou pela própria equipe econômica de que fazia parte, é exemplar de como a falta de paciência atropela até as boas ideias.
Bolsonaro disse a Guedes que estava traumatizado com a CPMF, pois foi a primeira imagem que viu na televisão ao acordar da cirurgia reparatória que sofreu quando já estava na presidência. “Eu posso me esquecer da facada, mas não esqueço da CPMF”, comentou o presidente, referindo-se a uma entrevista de Marcos Cintra defendendo a CPMF, que não era a primeira, mas foi a última.
Bolsonaro só se acalmou ao telefone quando o ministro da Economia disse que demitira o secretário da Receita Federal. E hoje brinca com a equipe: “Quem falar em CPMF está demitido”. Paulo Guedes, conhecido por seu gênio explosivo, está, assim como o ministro Sérgio Moro, aprendendo a lidar com a política, a começar pelo próprio presidente: “Quem tem voto é o presidente, ministro não tem voto”, diz sempre, para compreender as razões políticas que levaram ao adiamento de algumas reformas econômicas, como a administrativa.
Bolsonaro mandou dar uma freada no ritmo reformista, diante do que aconteceu no Chile, que era, e continua sendo, um exemplo de sucesso para Paulo Guedes, que estudou na Universidade de Chicago, cujas teses econômicas foram adotadas pelo governo Pinochet.
Guedes também deu aulas no Chile na época da ditadura militar, e é muito criticado por isso. A capitalização da previdência, por exemplo, que era o carro-chefe de sua proposta econômica, acabou rejeitada pelo Congresso, e foi uma das principais causas das recentes manifestações de protesto da classe media chilena.
Mas Paulo Guedes continua convencido de que esse é um caminho virtuoso para a aposentadoria dos brasileiros, mesmo que necessite de alguns ajustes, como agora acontecera no Chile. Lembra que por 30 anos o Chile cresceu com essa política, e hoje continua bem à frente do Brasil, com uma renda per capita medida pela paridade de poder de compra de U$ 25 mil, enquanto no Brasil, pelo mesmo parâmetro, estamos em US$ 15 mil.
Paulo Guedes, porém, está aprendendo que o timing da politica é diferente do econômico, tanto que se recusa a aceitar que os investidores estrangeiros estão deixando a Bolsa devido a uma insegurança política e à posição do governo brasileiro sobre a Amazônia. Prefere acreditar que se trata de uma reação normal aos juros baixos, que será substituída pelos investidores não rentistas. E, embora considere melhor que as reformas sejam debatidas quase que concomitantemente, pelo Congresso e opinião pública, entende que há momento em que a percepção de Bolsonaro pode captar sinais políticos que a equipe econômica desconhece, ou não leva na devida consideração.
Bolsonaro lhe disse: “Já avançamos muito, vamos aguardar os acontecimentos lá de fora (referindo-se ao Chile)”. O otimismo do ministro da Economia neste final de ano transborda na fala, nos gestos largos, na visão quanto ao futuro: “Nós vamos dobrar o crescimento no próximo ano, e aumentar o ritmo a partir daí”, afirma com convicção. Anuncia programas sociais “fortes”, mas sem populismo.
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