- Valor Econômico
Os movimentos recentes não sinalizam melhora consistente e dificuldades devem prosseguir em 2020
A recuperação do mercado de trabalho tem sido decepcionante. A taxa de desemprego, que era de 6,5% no final em 2014, dobrou com a crise econômica e desde então vem se reduzindo lentamente, tendo atingido 11,8% no último trimestre. Quais são os grupos mais afetados pelo desemprego? Como o desemprego afeta a participação dos diferentes membros da família? Quais as perspectivas de redução do desemprego para o futuro?
Os grupos mais afetados pelo desemprego são os jovens e os que concluíram apenas o ensino fundamental completo, que tiveram aumentos de desemprego bem acima da média. Com relação aos jovens, sabemos que eles naturalmente têm desemprego mais alto, pois circulam muito entre empregos para experimentar, combinam estudo com trabalho e têm baixo conhecimento de matemática e habilidades socioemocionais, tais como resiliência e motivação, como mostra o seu desempenho ao longo da prova do Pisa. Como eles não permanecem muito tempo no emprego, seus empregadores investem pouco no seu treinamento e seus salários aumentam pouco com a experiência, o que reforça os incentivos para eles deixarem logo o emprego. Cria-se, assim, um círculo vicioso. Além disso, os jovens são os últimos a serem contratados com o fim da crise.
A taxa de desemprego entre as pessoas com ensino superior é bem mais baixa do que a média e o seu diferencial de salários com relação às pessoas que tem apenas o ensino médio continua bastante elevado (160%). Isso mostra que fazer ensino superior ainda é a melhor alternativa para se proteger do desemprego e ter salários mais altos, apesar do grande aumento do número de formados que houve recentemente no Brasil. Assim, é necessário aumentar ainda mais as matrículas no ensino superior no Brasil, especialmente nos cursos de exatas. Além disso, quem tem alguma pós-graduação ganha 80% a mais do que os graduados e esse diferencial cresce sem parar.
Com relação à composição familiar, é interessante notar o comportamento do cônjuge (esposa ou esposo) no mercado de trabalho. Sua taxa de participação tem aumentado desde o início da década, passando de 55% para 63% e aproximando-se da participação dos chefes de família, que declinou para 65%. Isso é evidência do chamado “efeito trabalhador adicional” que ocorre quando há um grande choque no mercado de trabalho que faz os chefes perderem o emprego. Esse efeito faz com que os cônjuges sejam responsáveis por uma parcela cada vez maior na renda familiar hoje em dia e atenua a queda na renda familiar per capita, que está hoje no mesmo nível de antes da crise.
A taxa de desemprego é o resultado líquido de dois fluxos principais: a porcentagem de pessoas que perde o emprego (demissões) e a porcentagem de pessoas que encontra emprego (admissões). As variações na taxa de desemprego no Brasil dependem mais do comportamento da taxa de admissões do que da taxa de separações, que varia bem menos ao longo do ciclo econômico.
A figura mostra o comportamento da taxa de admissões para os diferentes membros da família entre o segundo trimestre de 2012 e o mesmo período em 2019, usando dados da PNAD Contínua (IBGE), seguindo os mesmos indivíduos por dois trimestres consecutivos. Esses dados incluem também o setor informal e mostram um perfil mais fiel da renda e do desemprego nas famílias do que os dados do Caged, que retratam o setor formal apenas.
Em primeiro lugar, é interessante mostrar a diferença entre as taxas de admissões (saída do desemprego) dos diferentes grupos. A parcela que encontra emprego é bem maior entre os chefes de família, pois são eles (ou elas) os responsáveis, em última instância, por sustentar a família. A taxa de admissão entre os chefes estava em torno de 45% antes da crise, mas começou a cair fortemente a partir do segundo trimestre de 2015, até atingir 35% em 2017. A má notícia é que, após um período de estabilidade entre 2017 e 2018, a taxa de admissões voltou a declinar no último ano.
Os jovens também tiveram uma grande queda na taxa de saída do desemprego, de 35% em 2012 para 25% em 2016, permanecendo nesse nível desde então. Com relação aos cônjuges, a taxa permaneceu ao redor de 30% em todo o período, aumentando um pouco no período recente. Isso ocorreu porque os cônjuges aumentaram seu esforço para achar emprego para amortecer os efeitos da crise na renda familiar, como vimos acima. Assim, a parcela de cônjuges que sai do desemprego, que estava mais próxima da taxa dos jovens, se aproximou da taxa dos chefes. A taxa de transição dos cônjuges do emprego para a inatividade também declinou muito no período.
Com relação à taxa de entrada no desemprego, os números mostram um grande aumento entre os jovens na crise, de 5% para 9% entre 2014 e 2016. Depois de uma relativa estabilidade até 2012, a taxa voltou a aumentar no último ano. Entre chefes e cônjuges, a taxa de pessoas que perderam seus empregos também aumentou de 1,3% para 2,6% dos ocupados no mesmo período, permanecendo nesse nível desde então.
Outro ponto importante diz respeito à informalidade. Grande parte das pessoas que se mantiveram ocupadas durante a crise estão na informalidade ou trabalhando por conta própria (em aplicativos, por exemplo). A taxa de permanência no setor informal aumentou de 30% para 35%, enquanto a taxa de permanência no setor formal caiu de 39% para 35%. Ou seja, as pessoas que mais conseguem manter seus empregos hoje em dia são os que estão no setor informal. E também não há indicativos de melhora nessa situação no período recente.
Em suma, há muita heterogeneidade no comportamento do mercado de trabalho recente no Brasil. Os mais afetados são os chefes e os jovens, ao passo que os cônjuges aumentaram sua participação no mercado de trabalho e conseguiram manter a renda per capita média nas famílias remediadas, mas não nas mais pobres. Os movimentos recentes do mercado de trabalho não sinalizam uma melhora consistente, ou seja, as dificuldades devem continuar no ano que vem, infelizmente. Apesar disso, feliz ano novo para todos!
*Naercio Menezes Filho é professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências,
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