- Revista Veja
Huck transita nos bastidores e Doria caminha sob luz mais forte, até pela condição de governador de São Paulo, que não lhe permite grandes disfarces
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Candidato que é candidato, reza a norma, não diz que é candidato, embora não faça outra coisa a não ser agir como candidato. Nesse modelo de indisfarçada discrição não se enquadram o presidente Jair Bolsonaro nem o ex-presidente Luiz Inácio da Silva, obrigados pelas circunstâncias a deixar de lado as ambiguidades. O primeiro, a fim de manter acesa a chama da eleição passada com vista à reeleição, e o segundo, com o intuito de marcar posição diante do impedimento legal de concorrer. Quando foi candidato à vera, Lula só assumiu no momento tido como conveniente. Isso costuma ser algo em torno de um ano antes da eleição.
Ambos são as tais exceções dadas a confirmar a regra, no momento seguida pelos dois pretendentes a ocupar o espaço do meio entre os citados excepcionais extremos. João Doria e Luciano Huck atuam dissimulados, cada qual à sua maneira. Em comum, a experiência em comunicação e o fato de disputarem a preferência dos artífices de alternativas eleitorais para 2022. Huck transita nos bastidores e Doria caminha sob luz mais forte, até pela condição de governador de São Paulo, que não lhe permite grandes disfarces.
Tudo o que diga ou faça remete os observadores engajados na cena política à campanha presidencial. Ele não nega o plano e o executa em partes: na atual, dedica-se a engordar o capital como governador, convencido de que a demanda do eleitorado será por um bom gestor; na etapa seguinte pretende rodar os municípios em que o PSDB disputar, em chapa própria ou aliada, as eleições de prefeito e vereador no ano que vem; a fase final começa em 2021, com os preparativos explícitos da candidatura a presidente.
Um recente embaraço poderoso só não se transformou em entrave irremediável porque João Doria corrigiu a declaração de que manteria “os protocolos” de atuação da Polícia Militar na invasão do baile funk na favela de Paraisópolis que resultou na morte de nove jovens, no início do mês. O governador admite a falha, mas diz que foi de comunicação. “Perdi essa batalha, mas, como não tenho compromisso com o erro, e diante das imagens de violência, mudei o procedimento.”
Recebeu duas vezes uma comissão de mães dos jovens mortos e decidiu afastar das ruas 38 policiais: os 32 que atuaram em Paraisópolis e outros seis envolvidos na ação na favela de Heliópolis onde, dias antes, policiais haviam sido filmados batendo em pessoas indefesas e zombando delas. “Resolvi atender a um pedido das mães, já que se aqueles policiais continuassem nas ruas isso poderia gerar novos conflitos.”
Reduzidos os danos imediatos, o governador diz que tirou do episódio a seguinte lição: é imprescindível a presença do Estado com prestação de serviços e linha permanente de diálogo aberto com essas comunidades, cuja voz não costuma ser ouvida pelos governos nem pela sociedade, a não ser quando ocorrem tragédias. Projetos em andamento, segundo Doria, receberam mais recursos e tiveram prazo de execução encurtado.
A segunda etapa do plano do governador para se tornar competitivo em 2022 é a exposição pública em âmbito nacional. Ele não diz assim, mas a ideia é, além de se fazer conhecido, amenizar certo ranço do restante do país em relação a São Paulo. “Vou subir em todos os palanques onde o PSDB tiver candidato ou concorrer em aliança com outros partidos”, anuncia, ressalvando que o fará nos fins de semana, para não incorrer em acusações de uso indevido do cargo.
Assim, João Doria pretende entrar em 2021, quando abrirá oficialmente o jogo (como se já não estivesse aberto), com um grau de conhecimento, hoje ínfimo ante a necessidade de um candidato a presidente, de razoável a bom, e com um robusto portfólio de realizações como governador. “Será uma eleição em que o Brasil vai querer alguém capaz de tocar com competência a administração pública, sem estabelecer o confronto como princípio de atuação.” É o jeito dele de dizer, sem pronunciar as palavras exatas, que acha Jair Bolsonaro despreparado, além de criador de casos inúteis.
E a fama de traíra, pelas costas viradas a Bolsonaro, pelo abandono da candidatura Geraldo Alckmin em 2018 e pela tentativa frustrada de expulsar Aécio Neves do PSDB? “Sou do campo de bom-senso, e nele vou aparando arestas com muito diálogo e moderação.” Nesse ponto, lembra que entrou na sua primeira eleição (para prefeito, em 2016) desacreditado no próprio partido e acabou ganhando no primeiro turno.
Assegura que está pronto para o desafio maior e manda um aviso aos navegantes: “Não subestimem o João”.
Publicado em VEJA de 25 de dezembro de 2019, edição nº 2666
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