Fortes evidências de crime financeiro atingem Flávio – Editorial | O Globo
Retomada de investigações indica que senador filho do presidente fez operações de lavagem de dinheiro
A aceitação, pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, de pedido de liminar feito pela defesa do senador Flávio Bolsonaro, para suspender investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o que estava por trás de atípica movimentação financeira do ainda deputado estadual fluminense e do assessor Fabrício Queiroz, não conseguiu jogar o caso no esquecimento. Afinal, já eram conhecidas evidências de que algo ocorrera fora do usual. Não bastasse o fato de o já senador ser filho do presidente Jair Bolsonaro. Goste-se ou não, isso chama a atenção e atrai o foco do jornalismo profissional, por ser de interesse público.
Toffoli estenderia o efeito da liminar a todas as investigações em curso que também se baseassem em informações passadas ao MP pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), depois rebatizado de UIF, Unidade de Inteligência Financeira. Mais tarde, o plenário do Supremo derrubou a liminar e restabeleceu a legal interconexão entre UIF e Receita com os braços do Estado de investigação e instrução de denúncias à Justiça.
Por isso, voltam a avançar as investigações do inquérito de Flávio Bolsonaro e delas saem contornos nítidos de um esquema com alguma robustez de lavagem de dinheiro. O papel do ex-PM Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro, que centralizava o recebimento de boa parte dos salários dos assessores contratados pelo gabinete do deputado, no golpe da “rachadinha”, é de fato central. Queiroz é mantido em virtual clandestinidade.
Para segurança do esquema, eram contratadas pessoas de confiança. Familiares de Queiroz, parentes da primeira mulher do presidente, Ana Cristina Siqueira Valle, moradores de Resende — portanto, funcionários fantasmas —, e ainda foi descoberto um relacionamento próximo, pelo menos de Flávio Bolsonaro, com outro ex-PM, Adriano Nóbrega, miliciano, foragido por ser acusado de participar de grupo de extermínio. Sua ex-mulher, Danielle Mendonça, era uma das pessoas lotadas no gabinete de Flávio e que não trabalhavam.
O MP conseguiu detalhar a maneira como Flávio Bolsonaro usou uma loja de chocolates de que é sócio em um shopping para lavar dinheiro. Também fez operações no mercado imobiliário.
As descobertas que estão sendo feitas pelo MP no entorno de Flávio Bolsonaro reafirmam o acerto do Supremo de, por dez votos a dois (Toffoli e Gilmar Mendes), restabelecer o compartilhamento livre de informações entre organismos do Estado, para que possam formar opinião e, se for o caso, pedir quebra de sigilo bancário ou fiscal de alguém. É como deve ser.
A liminar ampliada do ministro Dias Toffoli chegou a colocar o Brasil sob suspeição de entidades multilaterais, de que o país é parte, porque barrar o funcionamento desses sistemas de Estado significa ser leniente não apenas com a corrupção, mas com o terrorismo e todo tipo de tráfico. Este é o tamanho que atingiu o chamado “caso Queiroz”.
Grandes problemas – Editorial | Folha de S. Paulo
Presidente terá dificuldade em se esquivar do caso que envolve Flávio Bolsonaro
Ao se recusar a comentar a nova etapa das apurações sobre o filho Flávio, Jair Bolsonaro afirmou que não trataria de “pequenos problemas” que não lhe diriam respeito.
O presidente pode até estar certo em sua segunda asserção, na hipótese de que a investigação sobre a ligação do clã familiar com esquemas de desvio de dinheiro público e milícias do Rio de Janeiro nada encontre envolvendo seu nome.
Do ponto de vista político, contudo, a tática está fadada ao fracasso. É o próprio mandatário, afinal, quem promove a todo tempo a confusão entre o que diz respeito ao cargo e o interesse de sua família.
Além disso, as agruras do hoje senador Flávio Bolsonaro quando deputado estadual no Rio de Janeiro trazem marcas de seu pai.
Apura-se eventual desvio de dinheiro público de servidores de seu gabinete —por meio de um expediente, de triste fama no Legislativo nacional, em que parte dos salários de funcionários é recolhida pelo parlamentar para uso próprio.
No centro do caso está seu ex-assessor Fabrício Queiroz, figura que esteve ao lado do atual presidente da República desde os anos 1980. Segundo o Ministério Público do Rio, ele recebeu R$ 2 milhões de 13 colegas de então.
A Promotoria descobriu ainda que o gabinete empregara parentes de milicianos, estabelecendo uma perigosa ligação. Pagamentos detectados envolveram ainda a mulher do presidente, Michelle.
Até aqui, Queiroz era o alvo principal das investigações. A operação deflagrada na quarta-feira (18) moveu o foco sobre Flávio Bolsonaro, que poderia ter lavado com sua mulher R$ 638,4 mil do esquema por meio de imóveis.
Paralelamente, há a apuração sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, em 2018. Um dos suspeitos de ordenar o crime é um ex-policial, hoje foragido, cujas mãe e mulher foram contratadas por Queiroz como servidoras do gabinete.
Tais ligações nada provam, mas certamente tornam o ambiente político mais desconfortável para o presidente e sua família.
O senador, que nega quaisquer irregularidades, conseguiu durante meses obstar a apuração devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que questionou o uso de dados oriundos do órgão de controle financeiro —o antigo Coaf, desidratado pelo presidente, em outro ato pouco impessoal.
Que as autoridades conduzam o caso com a devida tempestividade a partir de agora. Apenas explicações críveis e transparentes podem relegar o problema ao tamanho desejado por Bolsonaro.
O BC prevê mais crescimento – Editorial | O Estado de S. Paulo
Turbinada por um aumento de 2,9% na produção industrial, a economia brasileira crescerá 2,2% no próximo ano, segundo as novas projeções do Banco Central (BC). O novo cenário é apresentado na edição de dezembro do Relatório de Inflação, um amplo exame trimestral das condições e das perspectivas econômicas. Na edição de setembro, o crescimento estimado para 2020 ainda estava em 1,8%.Também foi revista a expansão esperada para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, de 0,9% para 1,2%. De um ano para outro, o ritmo de avanço será quase duplicado, se os fatos confirmarem a revisão dos números. A evolução agora esperada para o PIB é muito parecida com a avaliação do mercado. Um pouco mais otimista, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) prevê para 2020 um PIB 2,5% maior que o deste ano.
Uma sequência de sinais animadores é apontada no relatório do BC para justificar a melhora das expectativas. A edição de setembro saiu bem antes das contas nacionais do terceiro trimestre. No fim de novembro, quando essas contas foram divulgadas, apontando um crescimento do PIB de 0,6%, ficou evidenciado um ganho de dinamismo. Essa percepção foi reforçada pelos dados de outubro da indústria, dos serviços e do consumo.
A revisão mais notável foi a das projeções de crescimento industrial. A estimativa para este ano passou de 0,1% para 0,7%. A projeção para o próximo ano foi elevada de 2,2% para 2,9%. Essa melhora, se confirmada, será especialmente bem-vinda, por causa da importância da indústria na difusão de estímulos e na criação de empregos formais.
Em 2019, a construção civil é o segmento industrial com recuperação mais acelerada, com avanço calculado em 2,1%. O quadro ficará bem melhor se a indústria de transformação ganhar vigor, depois de anos de deterioração. Seu desempenho neste ano foi agora reestimado de -0,2% para +0,2%.
A dinamização da economia, depois de um primeiro semestre muito ruim, é em grande parte explicável pela melhora das condições de crédito. A continuada redução dos juros básicos foi particularmente importante. A recente liberação de recursos do FGTS e do PIS-Pasep deve ter dado algum impulso adicional neste fim de ano. Este fator é mencionado no relatório. Mas o mercado teria ficado mais satisfeito, com certeza, se o documento do BC indicasse a evolução provável dos juros em 2020.
Os autores do Relatório de Inflação retomam, no entanto, os termos empregados na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária. Cautela é a palavra de ordem, porque vários fatores dificultam a avaliação, nesta fase do ciclo, dos efeitos da política do BC. Mudanças na intermediação financeira, como a maior expansão do crédito livre e a presença de novos agentes, como as fintechs, são alguns desses fatores. Não está excluída, no entanto, a possibilidade de um novo corte da taxa básica, a Selic, hoje em 4,50%, o nível mais baixo da série. Em fevereiro o Copom deverá reunir-se novamente. Uma redução adicional, especula-se, talvez seja de apenas 0,25 ponto.
A persistência de muita ociosidade nas empresas, com máquinas e equipamentos amplamente subutilizados, poderá ser um argumento a favor de novo alívio nos juros. O desemprego elevado também poderá pesar. Nada se adianta no relatório quanto aos próximos passos do Copom. Essa atitude combina com a cautela mencionada no relatório e na ata.
O relatório contém uma seção especial de três páginas e meia sobre a crise do emprego. O quadro é mais feio, segundo a análise, do que aquele encontrado, à primeira vista, nos informes sobre as condições de trabalho. O estudo leva em conta medidas de subutilização da mão de obra com enfoque nas horas totais disponíveis no mercado de trabalho. Daí resulta uma visão mais sombria da ociosidade no mercado de trabalho e da lentidão da melhora. Qual seria o resultado, se essa análise atraísse a atenção do ministro da Economia, Paulo Guedes? Difícil dizer. Quando ele cuidou do assunto, recentemente, foi para criar uma taxa sobre o seguro-desemprego. Diante da reação política, abandonou a ideia.
Governo não tem um plano decente de criação de vagas – Editorial | Valor Econômico
O Ministério da Economia prescreve que é preciso aumentar a produtividade do trabalho, logo a qualificação do trabalhador. Na prática, faz o contrário
Há problemas de toda ordem na medida provisória que cria o Emprego Verde e Amarelo. Apenas sua intenção tem algum mérito - mitigar a chaga do desemprego entre a população jovem, a mais atingida. Como tem sido frequente no governo de Jair Bolsonaro, programas específicos vão muito além de seu objeto na regulamentação e, na maioria esmagadora dos casos, para retirar benefícios.
Logo após ser eleito, o presidente Jair Bolsonaro resumiu em uma frase qual o nível de proteção que pretendia atingir na reforma das relações do trabalho no país: “Perto da informalidade”, disse. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem cumprido à risca a determinação. A MP 905 institui até mesmo o recolhimento de 7,5% sobre o seguro desemprego, uma desumanidade que pode ter selado a morte do programa. A essa “sacada” se juntaram uma série de outras, que não foram apontadas por críticos do governo, mas por avaliações de técnicos de repartições do próprio Ministério da Economia.
Desonerações para estimular empregos são caras e de eficácia bastante duvidosa. O ministro Paulo Guedes e sua equipe, no entanto, prosseguem em sua intenção de, sempre que possível, reduzir a contribuição previdenciária das empresas depois de aprovada a reforma que justamente procurava obter algum equilíbrio futuro. Para retirar essa contribuição do programa Verde e Amarelo, jogou a conta para o seguro desemprego - de todos e definitivamente. Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente, a arrecadação a ser obtida, de R$ 12,7 bilhões, será superior à renúncia de arrecadação, de R$ 11,3 bilhões de janeiro de 2020 a dezembro de 2022.
O empregado pelo novo programa não receberá metade da multa do FGTS em caso de dispensa (20%) e o recolhimento patronal do fundo cairá de 8% para 2%. As empresas serão dispensadas de recolher 2,5% do salário educação e 3% ao Sistema S. Estudo do Ministério da Fazenda apontou que o custo médio por empregado será alto, de R$ 1.630,76, para criar vagas de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.497).
A propaganda oficial fala do potencial de criação de 1,8 milhão de empregos. A Fazenda apontou que só 270 mil poderão ser atribuídos a ele, enquanto que 1,52 milhões seriam gerados pelo crescimento previsto da economia. Não há, no entanto, qualquer erro - a intenção é de que todo novo emprego tenha as menores garantias possíveis para os empregados.
O parecer da Fazenda aponta um problema evidente do programa - a substituição de trabalhadores que recebem mais por outros que recebem menos, que se enquadram na faixa do programa. O texto da MP determina que ela se aplicará “exclusivamente para novos postos de trabalho”, mas abre o caminho para isso ao permitir “substituição transitória de pessoal permanente”. É função da fiscalização do trabalho coibir burlas. Na proposta de orçamento de 2020, porém, o governo cortou em 63% a verba destinada a este fim. Reservou R$ 26 milhões para tudo: inspeções de segurança e saúde, cumprimento de obrigações trabalhistas e combate ao trabalho escravo.
A MP é uma avant-première do que o ministro Paulo Guedes pretende com sua Carteira de Trabalho verde-amarela. Além disso, extrapolou.
A MP muda as regras das folgas semanais e libera o trabalho aos domingos e feriados para todas as categorias, algo que o Congresso já havia rejeitado quando avaliou a reforma trabalhista. Modifica a carga de trabalho dos bancários e permite a abertura de agência aos sábados, passando por cima de convenções coletivas e do acordado sobre o legislado - uma das premissas da reforma aprovada.
Mesmo ao reduzir os direitos dos empregados, a MP não descuidou de reduzir também a punição a quem os descumpre. A MP estabelece o IPCA para as multas, mas apenas a partir da data da condenação até o pagamento efetivo. Com a morosidade da Justiça, os longos meses até o julgamento, não entrariam no cálculo, algo que até advogados pouco sagazes intuem que será barrado na Justiça.
O peso das obrigações sobre a folha de salários é um problema, assim como o é a carga tributária em geral. Mas mão de obra não é apenas custo. O Ministério da Economia, na teoria, sob aplausos, prescreve que é preciso aumentar a produtividade do trabalho, logo a qualificação do trabalhador (que se relaciona de perto à distribuição da renda). Na prática, faz o contrário, talvez acredite que informalidade rima com modernidade. É a fórmula do atraso perpétuo.
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