- Valor Econômico
Ao descartar qualquer tipo de responsabilidade pelo crescimento, BCB segue modelo alemão, distante do Fed e BCE
O fantasma de Alexandre Tombini - presidente da instituição no governo Dilma - ainda assusta a direção do Banco Central. Alguns funcionários juram que já o viram de madrugada andando pelos corredores do prédio em Brasília, arrastando pesadas correntes de ferro fundido para purgar pecados profissionais cometidos por ele na sua gestão. Se são apenas Fake News não posso responder ao leitor do Valor, mas que o fantasma imaginário de Tombini está de fato presente na instituição depois do fim de seu mandato, isto é certo.
E como se manifesta esta verdadeira assombração monetária no dia a dia da instituição? Obrigando a direção de plantão a tomar uma posição sempre radical em defesa do mandato único da instituição - combate à inflação - e a ser extremamente conservadora na aplicação de estímulos monetários quando estes se fizerem necessários para suportar o crescimento econômico. Puro medo infantil de ser confundido com ele.
O presidente no período pós impeachment, Ilan Goldfajn, cunhou uma expressão que expressa esta postura conservadora de maneira muito clara: O BC precisa agir sempre com "serenidade, cautela e perseverança" em suas decisões de política monetária. E foi mais adiante ao afirmar que em nenhum momento ou situação, por maior que seja a pressão da sociedade, deve ele trocar o crescimento econômico mais vigoroso por uma maior inflação.
Ao mesmo tempo o Banco Central, sob seu comando e inspiração, preparou um projeto de lei, para ser submetido ao Congresso, com o modelo de um Banco Central independente do Executivo e com mandato único vinculado ao controle estrito da inflação bastante radical. A responsabilidade de qualquer natureza com o crescimento econômico estava descartada neste modelo, que segue o do Bundesbank alemão e fica distante de outros bancos centrais importantes como o Europeu e o Fed americano.
O mantra "serenidade, cautela e perseverança" foi utilizado várias vezes quando a desinflação vigorosa, que se seguiu à elevação das taxas de juros em 2015 e a recessão que se seguiu, trouxeram a inflação para um nível menor do que o limite inferior do sistema de metas da instituição.
Mesmo quando o agravamento do desemprego e da recessão econômica no final de 2018 e início de 2019, ao mesmo tempo em que a inflação futura se apresentava bem ancorada nas expectativas dos analistas, criou a expectativa de que fosse iniciada uma etapa de descontração da situação monetária mais agressiva a ação do BC continuou norteada pela "serenidade, cautela e perseverança".
O novo presidente da instituição - Roberto Campos Neto - em seu pouco tempo no comando da política monetária adotou, como sua, a expressão cunhada por Ilan e adicionou ainda duas ideias-força para definir sua gestão: a responsabilidade nas decisões do banco e a busca de aprovação no Congresso de uma lei que definisse de forma clara o controle da inflação como seu mandato único. Posteriormente foi mais explícito neste objetivo ao declarar, publicamente, que o crescimento econômico não faz parte das responsabilidades da Autoridade Monetária brasileira.
Uma pergunta se faz necessária nesta narrativa sobre o fantasma de Alexander Tombini. A história pregressa do Banco Central é tal que, o curto mandato de seu presidente - Alexandre Tombini - por representar a média de comportamento de seus antecessores é uma ameaça real? E aqui a resposta é negativa pois entre 1995 - ano da estabilização de nossa moeda via o Plano Real - e o início do mandato de Alexandre Tombini todos os presidentes do Banco Central, e suas diretorias - inclusive em 7 dos 8 anos do governo Lula - estiveram compromissados fortemente com o controle da inflação. E realizaram sua missão com êxito reconhecido pelos mercados.
Portanto o mandato tão execrado - e com razão - de Alexandre Tombini não é justificativa para este medo permanente das novas direções do BC. Mas temos que reconhecer que hoje isto é um fato. Tanto que levou o ex-presidente Arminio Fraga - um nome respeitado por todos - a ter que fazer uma ginástica linguística para propor adicionar no mandato do BC visualizado por Roberto Campos Neto alguma responsabilidade assessória para com o crescimento econômico. Ele sugeriu a expressão "modular a variação dos ciclos econômicos" para evitar ser também apedrejado pelos mais radicais defensores do modelo Bundesbank.
Finalmente cabe aqui um alerta para o risco que a tão esperada independência formal do Banco Central correrá durante sua tramitação no Congresso. Em um momento em que as tensões sociais - e, portanto, políticas - criadas pela recessão e pelo elevadíssimo desemprego, esta posição, de negar qualquer mecanismo de responsabilidade com o crescimento econômico, pode voltar-se contra o próprio Banco Central. Os congressistas, que terão a última palavra na definição de seu mandato, podem desidratar a responsabilidade hoje clara com o controle da inflação e, de certa forma, perenizar o fantasma de Alexandre Tombini do qual todos procuram fugir.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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