- Valor Econômico
Congresso inviabiliza ajuste fiscal nos Estados
Paulo Guedes tem razão ao espernear. Como previsto neste mesmo espaço em 25/02 ("Não se iludam, não vai ser fácil"), começou o processo de desidratação da reforma da Previdência. A combinação de interesses eleitorais dos parlamentares e pressão das corporações do funcionalismo público tende a esvaziar a economia esperada pelo ministro.
Muita água ainda passará debaixo do túnel que liga os prédios da Câmara ao Senado até a aprovação definitiva da reforma em dois turnos em cada uma das Casas Legislativas. Com a derrota sofrida ainda na fase de apresentação do parecer do relator na Comissão Especial, o governo ainda precisa defender seu projeto contra a sanha dos grupos de interesses nas votações na comissão e no plenário, momento no qual os grupos de interesses se articulam com deputados e senadores para derrubar dispositivos que lhes prejudiquem, ou inserir emendas alternativas para lhes beneficiar.
Se esse jogo é difícil de ser vencido em nível federal, com toda a atenção da mídia e da sociedade voltada para os debates em torno da tramitação da reforma, imagine como será complicado para cada um dos Estados e mais de 2.000 municípios aprovar mudanças na previdência de seus próprios servidores públicos.
O relator, deputado Samuel Moreira (PSDB/SP), com a complacência do presidente Rodrigo Maia (DEM/RJ), lavou as mãos quanto à dura realidade dos entes subnacionais no seu parecer. "Lamentamos profundamente que o contexto político tenha criado dificuldades incontornáveis à imediata extensão das alterações feitas no regime previdenciário dos servidores às demais unidades federativas".
De acordo com levantamento da Secretaria do Tesouro Nacional, 14 dos 27 Estados já haviam extrapolado, em 2017, o limite de comprometimento de 60% de sua arrecadação com despesas de pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal - e os 13 restantes estavam bem próximos disso. Em muitas das capitais e municípios a realidade é a mesma. Reverter essa situação é tarefa hercúlea.
Os mandatários dos três Estados em situação mais grave - Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul - elegeram-se com discurso de renovação na política e dispostos a cortar privilégios e inovar na gestão pública. Passados quase seis meses de governo, já é possível ter uma noção dos limites e resistências enfrentados para recolocar as contas públicas na rota do equilíbrio.
No Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) iniciou sua administração com a corda toda. Já no primeiro dia de governo reestruturou seu secretariado e editou um decreto determinando que todos os órgãos cortassem suas despesas operacionais em 30% em relação ao patamar de 2018. A dura realidade, no entanto, se impôs de saída e, na mesma norma, ele excetuou os gastos das áreas de educação, saúde e segurança pública, que compõem o grosso da programação financeira do Estado. De concreto, até o momento Witzel não endereçou à Assembleia Legislativa um projeto de lei sequer destinado a conter a deterioração da situação fiscal e previdenciária no Estado.
Contando com uma base parlamentar de apenas 21 deputados na Assembleia Legislativa (de um total de 77), sendo apenas três de seu partido, Romeu Zema (Novo) levou cinco meses para aprovar sua reforma administrativa, reduzindo secretarias e extinguindo cargos comissionados. Sem outros projetos de ajuste no parlamento mineiro, o único governador do Novo parece mais preocupado em recuperar a atividade econômica no Estado, tendo publicado uma série de decretos prorrogando benefícios de ICMS e isentando o IPVA sobre veículos novos movidos a gás natural fabricados em Minas Gerais.
Dos três Estados em pior situação fiscal, o governador mais proativo parece ser o gaúcho Eduardo Leite (PSDB). Demonstrando habilidade política, ele já conseguiu aprovar três emendas à Constituição voltadas para o ajuste das contas locais: retirou amarras que travavam a privatização das estatais de energia, gás e mineração, extinguiu o direito dos servidores estaduais a licença-prêmio e endureceu regras para a promoção nas carreiras públicas.
Para aumentar a arrecadação, o jovem governador ainda assumiu o ônus político de aumentar temporariamente as alíquotas de ICMS sobre energia, combustíveis e comunicação. Com relação ao funcionalismo, suspendeu a concessão de aumentos e a realização de novos concursos até que sejam reestabelecidos os limites prudenciais da Lei de Responsabilidade Fiscal e estabeleceu diretrizes para um plano de demissão voluntária nas estatais.
Como nem tudo são flores, Eduardo Leite não conseguiu romper a prática de prorrogação sistemática de dezenas de milhares de contratos temporários, de médicos-legistas a professores, e tem levado adiante a prática de conceder e prorrogar benefícios fiscais para a instalação de indústrias no Estado, por meio de programas como Integrar e Proedi.
A experiência dos governadores do Rio, Minas e Rio Grande do Sul nestes seis primeiros meses de governo indica como é difícil desarmar a teia de benesses concedidas para empresas e servidores nas últimas décadas. Em relação aos subsídios empresariais, os governos estaduais sofrem com o lobby de empresários e com o medo de perder empregos e receita para outros Estados com a guerra fiscal.
Para vencer a resistência do funcionalismo, os chefes dos Executivos estadual e municipal contam com a ajuda de cima. Nesse sentido, são essenciais a inclusão de seus servidores na PEC da reforma da Previdência e a definição do STF a respeito da possibilidade de se reduzir a jornada de servidores até que os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal voltem a ser cumpridos.
Com o substitutivo do relator Samuel Moreira, não apenas governadores e prefeitos sofrem um duro revés. A própria União acabará pagando essa conta no futuro, pois é a ela que os entes subnacionais recorrem quando a sua conta não fecha.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro".
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