- Valor Econômico
O presidente Donald Trump pode até acabar absolvido, mas o Senado precisa cumprir sua missão de investigá-lo com seriedade. Se não fizer isso, a democracia nos EUA estará ameaçada
Nesta semana o Senado dos EUA abriu formalmente o processo de impeachment do presidente Donald Trump, que já foi aprovado pela Câmara. Há duas perguntas importantes no caso. O Senado vai investigar ou o processo será uma farsa? E a quem a provável absolvição de Trump vai favorecer? Disso pode depende o futuro da democracia americana.
A acusação ao presidente formulada pela Câmara é grave. Trump teria abusado do cargo para benefício próprio ao reter ilegalmente uma ajuda à Ucrânia aprovada pelo Congresso. O objetivo seria forçar o governo ucraniano a investigar Joe Biden, ex-vice-presidente dos EUA e favorito para ser o adversário de Trump nas eleições presidenciais de novembro. Além disso, Trump teria agido para atrapalhar as investigações, o que constituiria obstrução de Justiça.
Pelo histórico de Trump, é bem provável que isso tenha mesmo acontecido. Mas falta ao processo uma prova contundente, aquele elemento que cataliza a opinião pública. Richard Nixon teve contra si as gravações de suas conversas na Casa Branca. Bill Clinton teve o vestido sujo de sêmen apresentado pela estagiária Monica Lewinsky.
O Senado pode talvez produzir provas novas se decidir investigar as acusações. Após a aprovação do impeachment na Câmara surgiram duas possíveis novas testemunhas relevantes. Uma é Lev Parnas, ex-colaborador de Rudy Giuliani, advogado pessoal de Trump. Ambos atuaram na pressão ao governo da Ucrânia. Em entrevistas recentes, Parnas, que está detido, disse que Trump “sabia exatamente o que estava acontecendo”, isto é, a operação para pressionar a Ucrânia.
A outra possível testemunha é John Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump. Ele inicialmente seguiu a linha da Casa Branca, que orientou autoridades e ex-autoridades do governo a não depor no processo na Câmara. Mas recentemente disse que deporia no Senado se fosse convocado. Bolton, figura importante do establishment conservador, é respeitado nos EUA. Um depoimento negativo seu seria ruim para o presidente.
Mas não está claro se o Senado, os republicanos têm maioria, vai investigar e ser um juiz imparcial, como os senadores juraram fazer. Ou se produzirá uma farsa, que seria a absolvição sumária do presidente. A Casa Branca e a equipe de defesa de Trump dizem que o processo de impeachment é político, que o presidente agiu no interesse nacional, e pedem justamente uma absolvição rápida. O líder republicano no Senado, Mitch McConnell, está alinhado com a Casa Branca e vem buscando acelerar o processo, dar menos visibilidade e transparência e evitar a inclusão de novas testemunhas ou provas. O rito do julgamento, aprovado pelo senadores, sugere que esse será o andamento.
Para que o Senado investigue, basta que só quatro senadores republicanos se juntem aos democratas para aprovar, nas próximas semanas, pedidos de convocação de testemunhas e de inclusão de novas provas. Se isso não ocorrer, mostrará que Trump tem controle absoluto do Partido Republicano e que ninguém ousa contestá-lo em nada. Isso seria um sinal muito ruim para a democracia americana.
Costuma-se dizer que quem manda mesmo nos EUA não é o presidente, mas o Senado e os juízes federais. Trump já indicou um em cada quatro juízes das cortes de apelação, a segunda instância da Justiça federal. Em 3 anos no cargo, ele indicou 50 juízes, quase o mesmo número de Barack Obama (55) em oito anos de governo. Se o Senado for subserviente ao presidente, isso implicará um risco significativo ao sistema de “checks and balances”, de controle do poder, que fez da democracia americana uma das mais antigas e respeitadas do mundo.
Politicamente é compreensível que os republicanos não queiram o impeachment. Num ano eleitoral, isso poderia significar a perda da Casa Branca e talvez da maioria no Senado. Seria difícil evitar uma punição por parte dos eleitores. Além disso, alguns senadores republicanos já indicaram que acham reprovável o comportamento de Trump no caso da Ucrânia, mas questionam se isso é grave o suficiente para justificar um afastamento do presidente, o que nunca ocorreu.
Nada obriga os senadores a afastarem o presidente. Mas a Constituição e o interesse público os obrigam a investigá-lo com a seriedade que o processo requer. O resultado final do julgamento de Trump importa, mas é igualmente importante que o Senado cumpra o seu dever. Absolver sumariamente o presidente pode condenar o Partido Republicano e a democracia americana.
Isso remete à segunda questão: quem será beneficiado com a provável absolvição. Isso só deverá ficar mais clara com a proximidade das eleições de novembro. Se for absolvido, Trump deverá dizer que ganhou um atestado de idoneidade do Congresso e que o processo de impeachment era uma manipulação política da oposição democrata. Esse discurso poderá favorecê-lo nas eleições. Por isso a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, relutou tanto em iniciar o processo contra o presidente.
Mas Trump tem apanhado muito. Pessoas respeitadas e sem motivação política óbvia depuseram contra o presidente na Câmara. Seu caráter e entranhas da sua Presidência foram expostos. É improvável que isso não lhe cause prejuízo eleitoral. Com a boa situação da economia dos EUA, Trump deveria liderar com folga as pesquisas de intenção de voto. Mas ele está em empate técnico ou um pouco atrás dos principais pré-candidatos democratas. O impeachment certamente ajudou a corroer a sua aprovação.
Pesquisa Economist/YouGov desta semana mostra que 50% dos entrevistados nos EUA desaprovam Trump como presidente, e 41% aprovam. Sobre o impeachment, 45% aprovam o afastamento, e 43% se opõem (12% estão indecisos). Essa divisão espelha a polarização política dos EUA. Mas um dado pode ser eleitoralmente decisivo.
Entre os entrevistados que se dizem politicamente moderados (gente que possivelmente vota ora num partido, ora em outro), 54% aprovam o afastamento e 35% desaprovam. São esses eleitores que decidirão as eleições de novembro.
Nas eleições, 35 das 100 vagas no Senado também estarão em disputa - 23 delas estão hoje com os republicanos. A estratégia democrata é clara: expor esses senadores, obrigando-os a votar seguidamente contra novas provas e testemunhas. Se perder o Senado, Trump pode ter todo o Congresso contra si num eventual segundo mandato.
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