- Folha de S. Paulo
É importante mostrar que mesmo no Direito ainda existe o certo e o errado
A denúncia oferecida pelo procurador Wellington Oliveira contra o jornalista Glenn Greenwald no caso do hackeamento de autoridades é escandalosamente frágil. Ela é fraca não apenas no plano jurídico mas principalmente no lógico (não dá para participar de um crime depois que ele já foi consumado). A crer nas avaliações de especialistas, é pouco provável que a iniciativa prospere.
Dado o papel central de Greenwald na divulgação das mensagens que abalaram o prestígio da Lava Jato, acho difícil escapar da suspeita de que o corporativismo motivou a denúncia. Se fosse de fato esse o caso, estaríamos diante de um lastimável desvio de função, em que um procurador se vale do poder do qual foi investido para fazer avançar duvidosos interesses de classe em vez dos da sociedade. Pior, fá-lo buscando enfraquecer uma instituição, a liberdade de imprensa, que é importante para a democracia.
O mundo, porém, é um lugar complexo, que esconde efeitos paradoxais. O filósofo John Stuart Mill defendia a tese de que as más ideias precisam circular livremente para que sejam confrontadas com as boas e estas possam triunfar no debate público. Algo semelhante vale para o Direito.
Ações destrambelhadas de juízes e procuradores, embora essencialmente condenáveis, podem, se forem revertidas de forma rápida e veemente, produzir o efeito contrário ao pretendido pela autoridade usurpante. Foi o que vimos quando o STF cassou diligentemente a decisão do desembargador que proibira a exibição do especial do Porta dos Fundos. A ideia vencedora aí foi a de que a censura não é tolerável. De modo análogo, uma contundente rejeição da denúncia contra Greenwald significará que a Justiça brasileira está comprometida com a imprensa livre.
Num momento em que até a cúpula do Judiciário se vê avariada pela polarização, seria importante mostrar que mesmo no Direito ainda existe o certo e o errado.
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