A autocrítica que o PT se recusa a fazer – Editorial | O Globo
Ex-governador, ex-ministro e ex-senador, Cristovam Buarque aponta erros da esquerda
Há um lado B na trajetória do PT, partido de importância histórica, que se inicia nas primeiras prefeituras conquistadas no entorno da cidade de São Paulo, no fim dos anos 1980, e chega ao petrolão, desmantelado pela Operação Lava-Jato, lançada em 2014. É uma longa história de casos de corrupção, em que não se consegue delimitar bem o que foi arrecadado para financiar a causa, o projeto de poder da legenda, ou para melhorar o padrão de vida e garantir o futuro de companheiros. Em paralelo, há outra história, de indiscutíveis vitórias e da construção de Lula como o maior líder popular surgido no país desde Getúlio Vargas.
Os altos e baixos justificariam autocríticas, principalmente em um partido de esquerda. Em especial num momento de agudo descenso, uma queda pontilhada de processos e prisões de dirigentes por corrupção. Inclusive o ex-presidente Lula, preso durante um ano e sete meses em Curitiba, condenado no processo em que é acusado de receber um tríplex na praia do Guarujá da empreiteira OAS, em troca de favorecimentos à empresa em contratos na Petrobras. Condenado na segunda instância, Lula está livre, mas é inelegível.
No PT de Lula, mestre do centralismo democrático, não se faz autocrítica. Mas a necessária admissão de culpa está sendo feita por alguém que já foi da cúpula do partido, governou o Distrito Federal pela legenda e ocupou o Ministério da Educação no primeiro governo Lula. Podem dizer que o reconhecimento de culpas do PT e da esquerda feito por Cristovam Buarque no livro “Por que falhamos — o Brasil de 1992 a 2018” não tem legitimidade, por ele haver se distanciado há muito tempo do partido. Mas isso não reduz o peso de suas palavras dentro da esquerda, não apenas no PT.
Professor universitário, economista, pioneiro no Bolsa Família e senador com mandato recém-concluído no PPS, Cristovam Buarque, em entrevista ao GLOBO, vai ao ponto: “nós, como bloco, toleramos a corrupção, o aparelhamento do Estado, convivemos com as mordomias. Não acabamos com as mordomias, elas aumentaram. Temos que reconhecer que erramos, e discutir quais os erros (que cometemos)”. Cristovam afirma que foi “erro grave” cair na corrupção. Faz a ressalva: “quando eu digo nós, não digo todos. Eu não caí”.
Lamenta que PSDB e PT não tenham se unido. Sabe-se que Fernando Henrique Cardoso, social-democrata, era propenso a essa proximidade. Lula, não. Quis fazer um partido de classe, mas terminou capturado pelas malhas de corporações sindicais, principalmente do funcionalismo.
Cristovam se preocupa com o fato de a esquerda ser anti-Bolsonaro e não ser pró qualquer coisa. Pergunta: “Qual é a proposta do bloco que pensa que é preciso progredir democraticamente?”. De fato não existe. Havendo ainda perda de substância política por várias razões. O Bolsa Família, bandeira petista, foi apropriado por Bolsonaro ao criar o décimo-terceiro para os beneficiários. E quanto a retomar o crescimento econômico, “entregamos o governo (com a economia) em depressão”. E especificamente o PT, ficou prisioneiro do “Lula livre”. Mais: “o PSDB, dividido completamente; e os outros tentam sobreviver”.
Ao não conseguir se unir em torno de um projeto, o bloco à esquerda, incluindo o PSDB, elegeu Bolsonaro, entende Cristovam. Tanto que o livro sairá na versão em inglês com o título: “Como a esquerda elegeu a direita no Brasil”. Ele teme que a eleição municipal deste ano “dilua” ainda mais o bloco.
Resta confiar em 2022, quando espera que haja coesão e definição de rumo. Mas sem reconhecer erros e culpas não se irá longe.
Um ano em baixa velocidade – Editorial | O Estado de S. Paulo
Será uma surpresa positiva se a economia brasileira tiver fechado o ano de 2019 com crescimento igual ou superior a 1,32%, taxa estimada para 2018 e 2017. A expectativa de um resultado muito próximo de 1% acaba de ser reforçada com a divulgação do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), conhecido no mercado como prévia do PIB. Segundo esse indicador, a atividade em novembro foi 0,18% maior que no mês anterior e 1,10% superior à de um ano antes. A nova informação foi recebida com sinais de otimismo – ou de alívio – principalmente porque a variação de setembro para outubro havia sido de apenas 0,09%, quase nula, portanto. Além disso, o IBC-Br fecha num quadro ligeiramente positivo os dados parciais de novembro conhecidos até os últimos dias: produção industrial com recuo de 1,2%, vendas do varejo restrito com aumento de 0,6% e atividade de serviços com diminuição de 0,1%. O varejo ampliado (com inclusão de veículos e materiais de construção) diminuiu 0,5%. A estimativa da produção agropecuária pode ter ajudado a melhorar o conjunto.
As promoções ligadas à Black Friday ajudaram a movimentar as lojas de roupas, calçados, eletrodomésticos, eletrônicos, perfumarias e supermercados. Os saques de recursos do FGTS e do PIS-Pasep também reforçaram o poder de compra das famílias. Mesmo com o recuo de vendas de veículos, seus componentes e materiais de construção, a atividade geral ganhou algum vigor.
O dado mais importante do novo IBC-Br, de toda forma, é a reafirmação da tendência geral da economia brasileira. Segundo os novos cálculos, a atividade cresceu 0,90% em 12 meses. Além disso, a comparação dos meses de janeiro a novembro com igual período de 2018 mostrou ganho de 0,95%.
Os números do IBC-Br nem sempre antecipam com precisão os dados publicados trimestralmente do Produto Interno Bruto (PIB). Mas dão uma boa ideia do estado geral da economia brasileira. Neste caso, sua importância principal é reforçar as apostas num resultado final ao redor de 1%. O governo parece conformado com essa possibilidade e o Ministério da Economia, em seu último boletim macroeconômico, cravou 1,12% como estimativa provisória da variação do PIB em 2019. O primeiro balanço completo e oficial deve ser publicado em março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Olhar o mundo pelo espelho retrovisor é perda de tempo, segundo alguns analistas do setor financeiro. Muito mais útil, afirmam, é concentrar a atenção no desempenho atual da economia e nas suas condições de crescimento nos próximos meses. Se esse argumento valer para o IBC-Br e outras estimativas do passado recente, deverá valer também para os dados mais completos e mais precisos do PIB. Esse ponto de vista é claramente indefensável. O espelho retrovisor, com ou sem a precisão das contas do IBGE, dá informações muito valiosas sobre como se chegou até aqui e sobre a base da atividade para a fase seguinte.
Alguns pontos são claros e já o eram no ano passado. A indústria brasileira foi devastada nos últimos anos, a partir de 2012, e só se poderá falar seriamente de recuperação econômica, a partir de agora, se o setor industrial for recomposto. (Ver o editorial O drama da indústria.) É erro enorme comparar a desindustrialização do Brasil com as mudanças ocorridas na estrutura econômica das economias mais avançadas. No caso brasileiro, trata-se de enorme retrocesso histórico.
Outro ponto claro e preocupante é o baixo investimento em máquinas, equipamentos e obras. Não se trata só da taxa de investimento, relação porcentual entre a formação de capital fixo e o PIB. Isso é muito importante, mas é necessário cuidar da forma de aplicação do dinheiro. Sem melhora da infraestrutura, cada real investido na indústria, na agropecuária e nos serviços terá retorno fortemente limitado.
Os condutores da política econômica têm-se mostrado pouco propensos a pensar as condições concretas – materiais, portanto – da atividade produtiva. Se assim continuarem, dificilmente conseguirão apressar a recuperação da indústria, a retomada econômica e a redução do desemprego.
Garantia de incerteza – Editorial | Folha de S. Paulo
Introdução abrupta do juiz das garantias dificulta aferição de sua eficácia e seus custos
A elogiável vocação dos legisladores de boa-fé de melhorar a sociedade por modificações abrangentes das normas sempre colide com a natureza reativa e adaptativa dos indivíduos e das organizações do outro lado. Não será diferente com a introdução do juiz das garantias em todo o território nacional.
Porque no Judiciário há realidades regionais díspares e resistência corporativista à inovação, entre outros fatores de atrito, torna-se duvidoso saber se o objetivo de conferir mais isenção e acurácia aos processos penais vai se realizar.
O que fará o magistrado encarregado da fase investigativa, não mais responsável por decidir a causa?
Atuará como zelador aguerrido das prerrogativas civis do investigado, como é o desejo dos reformadores?
Ou tenderá a se aproximar de um assistente da acusação, sentindo-se mais livre para pecar por excesso na decretação de prisões provisórias e quebras de sigilos?
Os dois efeitos contraditórios são prováveis, mas só com a prática se poderá saber qual prevalecerá.
Outra dúvida que apenas a experiência será capaz de dissolver é se os processos vão se tornar mais morosos porque haverá em tese um custo de aprendizado ao transmitir informações do juiz das garantias para o outro magistrado encarregado de decidir a causa.
Também será aberto novo flanco de contestações para alegar que o juiz das garantias terá usurpado competências daquele que vai presidir o julgamento e vice-versa. Mais brechas para recursos costumam significar dilatação de prazos.
Todo esse custo, se houver, valerá a pena em nome de um processo mais seguro e certeiro, que separe os culpados dos inocentes dentro dos cânones do Estado de Direito? Depende do tamanho do custo e do tamanho do benefício.
A sociedade provavelmente nunca conhecerá a resposta, porque técnicas reformistas que facilitam a medição foram deixadas de lado na criação do juiz das garantias. O legislador poderia ter facultado aos tribunais dos Estados o emprego da novidade de acordo com a realidade regional ou ter autorizado experimentos sob monitoria do Conselho Nacional de Justiça.
Quando se trata de reformar instituições enraizadas e tradicionais como a administração da Justiça, a melhor abordagem quase sempre é a mudança incremental e cautelosa. Não foi o caso desta vez.
Diante de uma iniciativa que chacoalha a forma como o juízo penal tem sido praticado, fez bem o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, ao dar mais seis meses de prazo para que o sistema faça as adaptações necessárias à satisfação da vontade do legislador.
Que as autoridades usem o tempo com diligência e zelem para que a mudança beneficie a sociedade.
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