- O Globo
A economia mundial foi atravessada pela emergência climática e não há escolha que possa ser feita sem considerar esse risco
Quando será tarde demais? A pergunta que precisa ser feita diante do aumento do perigo, qualquer perigo, tem que estar conosco como uma inseparável companheira na era da emergência climática. Quando será tarde demais? Fiz essa pergunta a cientistas ingleses quando visitei o Met Office, o Inpe inglês, em 2009. Eles me mostraram as projeções, os cenários, os riscos, os tipping points. Um dos deflagradores desse ponto, a partir do qual nada mais é possível fazer, disseram eles, é a perda da floresta amazônica. O Inpe contou de novo que o desmatamento continua a crescer. Subiu 85,3% de janeiro a dezembro de 2019, comparado com 2018.
Foi exatamente o Deter, sistema de detecção de desmatamento em tempo real, que foi atacado pelo governo, a ponto de o presidente da República demitir o diretor do instituto. E o que o instituto alertou aconteceu. O Prodes já havia mostrado quase 30% de aumento. Esse sistema tem dados mais consolidados sobre 12 meses que terminam em julho de cada ano. O Deter é sistema de alerta, vai na frente, vai avisando. Na semana passada, ele divulgou os números do ano inteiro, de janeiro a dezembro, o primeiro desse governo que deliberada e abertamente estimula o desmatamento.
A economia foi atravessada por essa emergência e não há escolha que possa ser feita sem ter em vista esse perigo. O Brasil subsidia combustível fóssil, reduz imposto sobre diesel, gasta R$ 1 bilhão do dinheiro dos nossos impostos, todos os anos, subsidiando térmica a carvão. O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, me disse que o subsídio irá, pelo Plano Nacional de Energia, até 2027. Então a sociedade brasileira gastará R$ 8 bilhões até lá e só no segundo mandato presidencial depois do atual é que acabará esse gasto. Ou não. O governo Bolsonaro quer que o BNDES volte a financiar térmicas a carvão. O ministro me disse que não é para construir novas térmicas. É apenas para elas instalarem novas tecnologias. A decisão do banco, na gestão de Maria Silvia, foi não financiar e ponto. Recursos públicos seriam emprestados apenas para energias limpas e novas. Mas o que preocupa alguns economistas brasileiros são incentivos dados, e que existem em todos os países, à energia solar, limpa e sustentável. Eles nunca se incomodaram com o do carvão ou dos derivados de petróleo. Curiosa inversão do olhar.
“Os riscos diante de nós demandam imediata ação coletiva”. A frase, que poderia estar na boca de um ambientalista, foi escrita em documento divulgado pelo Fórum Econômico Mundial. Quase todos os riscos de longo prazo vistos nos cenários feitos pelos economistas e executivos da economia global são climáticos. Eventos climáticos extremos, grande perda de biodiversidade, crimes ambientais, falha na mitigação, são esses alguns dos problemas apontados por 750 especialistas e tomadores de decisão que responderam ao questionário do Fórum que acontece em Davos.
Se todos eles, que tomam decisões, acham que o perigo é este, se tantas ruas do mundo estão ocupadas por manifestantes, se líderes jovens estão alertando, com uma maturidade que nem deveriam ter, por que mesmo o mundo continua errando?
Em 2009, quando visitei o Met Office, um prédio nas proximidades de Londres com detalhes que lembram seu fundador, o comandante do navio de Charles Darvin, o mundo estava se preparando para a COP-15 de Copenhague. Havia muita esperança de um acordo global do clima que tivesse poder de lei nos países. O desmatamento da Amazônia estava caindo havia vários anos. Grandes empresários, executivos das principais empresas globais ouviam os alertas dos cientistas. Parecia ser o momento em que o mundo começaria a se afastar do perigo extremo. A reunião fracassou. Em Paris, anos depois, se conseguiu fechar o acordo do clima. Mas o governo americano passou a ser ocupado por um negacionista. O brasileiro, também. O mundo andou para trás desde Paris. Nós também. A reunião de Madri, em dezembro, foi melancólica.
Quando será tarde demais? Essa é a pergunta que a humanidade precisa encarar agora porque terá que respondê-la para as gerações que herdarão a Terra. O que estamos entregando aos nossos filhos, aos nossos netos?
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