Maior parte dos R$ 782 bi anunciados pelo governo para mitigar efeitos da epidemia está voltada para ampliação do crédito
Bernardo Caram / Fábio Pupo | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Defendida por economistas e políticos como medida necessária para evitar um caos social durante a pandemia do novo coronavírus, a transferência direta de recursos do Tesouro à população representa 6% do pacote de R$ 782 bilhões anunciado pelo governo ao longo das últimas semanas.
Quanto às demais ações, a maior parte está voltada à ampliação do crédito. Outras antecipam pagamentos já previstos à população (caso do 13º salário de aposentados e do abono salarial). Há também adiamento no prazo para empresas pagarem certas obrigações (como o FGTS e tributos federais do Simples).
Ainda assim, ao menos dez propostas anunciadas ainda não saíram do papel.
No conjunto de aproximadamente 40 medidas apresentadas pela equipe econômica desde o agravamento da crise, há duas ações concretas para destinar recursos novos diretamente às pessoas, aponta levantamento elaborado pela Folha.
A primeira, já em vigor, repassa R$ 3,1 bilhões para incluir mais de 1 milhão de famílias no programa Bolsa Família. O objetivo é zerar a fila de espera existente hoje.
A outra, que prevê um auxílio mensal a trabalhadores informais, tramita no Congresso.
Inicialmente formatada pelo governo para um repasse de R$ 200 mensais para cada cadastrado ao longo de três meses, a medida foi ampliada após pressão de congressistas.
O benefício será de R$ 600 e custará R$ 45 bilhões aos cofres públicos, segundo estimativa do Ministério da Economia. Também será repassado por até três meses.
Outra medida com dinheiro novo deve pagar parte da remuneração de trabalhadores que tiverem jornada e salário reduzidos. Seriam R$ 10 bilhões em recursos novos.
Porém, a medida voltou à mesa de discussão para serem analisados os percentuais de recursos a serem usados. Os números são incertos.
O gasto social no enfrentamento da crise faz parte da pauta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele defende o uso de verbas partidárias, do Poder Judiciário e de salários de servidores.
O diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto, afirma que o voucher de R$ 600 para trabalhadores informais é a mais importante medida anunciada até o momento.
Para ele, a proposta teve protagonismo do Congresso. “A principal dimensão do combate à crise deve ser a transferência de renda direta à população mais pobre”, disse.
Apesar de reconhecer a gravidade da crise, o ministro Paulo Guedes (Economia) tem dado prioridade a ações que não deteriorem as contas públicas.
Há cerca de duas semanas, ele anunciou uma primeira leva de medidas e salientou que elas não aprofundavam o déficit público. “Tudo isso está sendo feito sem espaço fiscal”, afirmou.
Outros membros da equipe econômica têm defendido que, por causa da restrição de recursos, não se pode tomar decisões agora que possam comprometer o país futuramente.
Cerca de 72% do pacote anunciado para fazer frente à pandemia diz respeito a programas de ampliação e facilitação de crédito.
Ações do governo e de bancos públicos já somam R$ 561 bilhões em recursos que serão disponibilizados pelas instituições financeiras para empréstimos destinados a empresas, produtores rurais, pessoas físicas, estados, municípios e hospitais.
Outra parcela relevante das medidas promove suspensão temporária de tributos ou antecipação de pagamentos já previstos, no total de R$ 113,2 bilhões (15% do montante).
Esses recursos não são considerados novos.
Na antecipação, é feita apenas uma mudança de data nos pagamentos de 13º de aposentadoria e abono salarial, sem ganho adicional ao beneficiário.
O tributo suspenso —caso do FGTS e parte do Simples Nacional— precisará ser quitado pelo contribuinte após o período de crise.
Há ainda R$ 31 bilhões em repasses do governo federal a estados, municípios e à saúde.
Outros R$ 28,3 bilhões serão remanejados pelo governo para programas de saúde e para futura liberação de saques do FGTS.
O Ministério da Economia tem visto crescer a pressão por mais rapidez na entrega e na execução.
Maia e outros congressistas vêm cobrando iniciativas de Guedes há pelo menos duas semanas. O ministro vinha insistindo no discurso das reformas.
No dia 13 de março, após Maia subir o tom nas críticas. O ministro reagiu apresentando medidas à imprensa e dizendo que mais viriam em menos de 48 horas.
Desde então, técnicos apresentaram as iniciativas à imprensa. Mesmo assim, muitas não foram transformadas em atos legais (como medidas provisórias, projetos de lei ou decretos).
Parte das ações divulgadas, como a redução de jornada e salário com contrapartida em recursos públicos, voltou à mesa de discussões.
Enquanto isso, demandas dos mais variados segmentos não param de chegar ao ministério. Em grande parte, empresas e associações pedem o adiamento do pagamento de impostos.
Nesta semana, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, teve de ouvir de investidores pedidos de mais celeridade para que o dinheiro chegue rapidamente a empresas e pessoas.
Entre eles, há quem defenda que o ministério não se preocupe tanto com regras fiscais em um momento de emergência.
Richard Back, analista da XP Investimentos, afirmou ao secretário que está faltando também um canal de comunicação com a pasta.
“A população está procurando respostas”, afirmou.
Bianco disse aos investidores que técnicos têm trabalhado diuturnamente em torno das ações. “Estamos trabalhando por vocês, empregados e empregadores, e as coisas vão se resolver”, disse.
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