- Folha de S. Paulo
Ministro submerge no momento em que governo emite sinais controversos
Em dois dias, o governo anunciou algumas das medidas econômicas mais emblemáticas da reação aos efeitos do coronavírus: avalizou o aumento para R$ 600 do auxílio emergencial pago a trabalhadores informais e abriu crédito de R$ 40 bilhões para pequenas e médias empresas. Nos dois casos, o chefe da área foi praticamente um personagem secundário.
Duas semanas depois das primeiras e tímidas providências divulgadas pelo Ministério da Economia contra a crise, a ausência de Paulo Guedes no comando dessa missão provoca desconfiança entre empresários e irritação entre congressistas.
O ministro submergiu no momento em que o governo emitiu mensagens desastradas e sinais controversos sobre a linha de ataque aos efeitos da pandemia.
No evento em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou uma linha de crédito bilionária para financiar folhas de salários e preservar até 12 milhões de empregos, nesta sexta (27), apenas os chefes do Banco Central, da Caixa e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estavam presentes. O sumiço de Guedes surpreendeu alguns empresários.
O ministro também foi quase um figurante no acordo que o governo precisou fechar com o Congresso, no dia anterior, para aumentar o socorro pago a trabalhadores informais afetados pela crise. Guedes havia proposto um pagamento de R$ 200 por mês, mas foi obrigado a aceitar que o valor fosse triplicado, por pressão de parlamentares e do próprio Bolsonaro.
Guedes saiu de Brasília há uma semana, quando o vírus se espalhou entre integrantes da equipe de Bolsonaro, e passou a despachar de seu apartamento no Rio. Deixou para trás um rastro de negação sobre os possíveis impactos da crise e uma coleção de mensagens truncadas sobre as respostas que seriam dadas pelo governo.
Nos primeiros dias desta semana, o ministro ainda repetia que o corte de despesas e a aprovação das reformas de ajuste fiscal eram a melhor resposta ao colapso econômico que se avizinhava. A lentidão e a falta de coordenação para apresentar medidas de emergência que poderiam atenuar os efeitos da crise deixou agentes econômicos perplexos.
Na terça (24), o empresário Carlos Jereissati vocalizou essa insatisfação. “A gente vê uma bela condução pela saúde, nos estados e no ministério, mas não vê a mesma agilidade na área da economia, para salvar as empresas e os empregos”, disse um dos donos do grupo Iguatemi. “Faltam medidas claras, para a economia real.”
Além da demora na tomada dessas decisões, Guedes ainda guardou silêncio depois que o presidente da República lançou uma campanha perigosa pela retomada imediata da atividade econômica, na contramão das recomendações das autoridades de saúde. Bolsonaro desenhou um cenário de terror absoluto, e o ministro responsável pela área se calou.
O país só ouviu uma mensagem completa de Guedes uma semana após seu número de desaparecimento. Sem participar de anúncios oficiais e entrevistas coletivas, o ministro gravou um vídeo de cinco minutos em que avisa que o governo vai abrir os cofres para preservar empregos e, ao contrário do que disse Bolsonaro, que é preciso preparar a retomada “ali à frente”.
A gravação tem público certo: empresários cada vez mais incrédulos com os rumos tomados pela equipe econômica na crise. O ministro, afinal, fala da população mais pobre numa terceira pessoa distante (“gente simples que trabalha todo dia para nos alimentar, para nos distrair”) e enumera os bilhões que serão aplicados durante a turbulência.
As incertezas ainda permanecem e dificultam o ambiente de negociações entre o Ministério da Economia e o Congresso. Numa conferência com empresários nesta sexta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reclamou da falta de previsibilidade oferecida pelo governo.
“Se tiver um pacote e o governo apontar quanto vai gastar do PIB para organizar no curto prazo, aí começamos a pensar em um segundo momento, para além de 60 dias, como retomar obras, e reativar a economia”, afirmou Maia, num recado endereçado principalmente a Guedes. “Se não organizar, vamos continuar batendo cabeça.”
O ministro parece ensaiar uma correção de rumos, mas seus ajustes de comportamento nessa crise são muito mais lentos do que o avanço do vírus e seus efeitos econômicos.
Ele dizia há duas semanas que seriam necessários apenas R$ 5 bilhões para “aniquilar o coronavírus”. Agora, ele prevê uma conta de R$ 700 bilhões em três meses.
A ficha realmente demorou a cair. Depois que saiu de Brasília, Guedes contou a jornalistas que percebeu um dos impactos da crise quando pediu um suco de laranja no hotel em que morava na capital. Faltavam laranjas, e o atendente precisou oferecer um suco de abacaxi.
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