- Folha de S. Paulo
Infectologistas apontavam que era questão de tempo até que uma pandemia viral nos atingisse
Até o final do século 17, europeus, inspirados por versos do poeta Juvenal, usavam a expressão “cisne negro” para designar uma impossibilidade. Todos os cisnes até então avistados eram brancos.
Não foi sem assombro, portanto, que descobriram, a partir de relatos de exploradores, que havia cisnes negros na Austrália. O termo passou, então, a designar a falácia lógica da generalização apressada e, de maneira menos técnica, eventos surpreendentes.
Mais recentemente, o escritor Nassim Taleb popularizou a noção de cisne negro como um acontecimento raro, de enormes consequências e que não foi previsto pelos especialistas. Exemplos de cisnes negros incluem a dissolução da URSS, o surgimento da internet e o 11 de Setembro.
A Covid-19 entra nessa lista? Penso que não. Taleb também. Ele prefere chamá-la de rinoceronte cinza, já que era totalmente previsível. Com efeito, infectologistas afirmavam havia décadas que era uma questão de tempo até que uma pandemia viral nos atingisse em cheio. Havia dúvidas em relação ao “quando”, mas não quanto ao “se”.
Há outros rinocerontes cinza. Sabemos que um dia um megaterremoto vai devastar cidades da costa oeste dos EUA, mas, ainda assim, milhões de pessoas vivem nelas tranquilamente. Sabemos que, se não usarmos antibióticos com mais sabedoria, logo teremos um gigantesco problema com bactérias resistentes. Sabemos que o aquecimento global é uma realidade.
Por que não fazemos tudo o que está a nosso alcance para evitar desastres previstos? Eu receio que o conhecimento intelectual, que é o que a ciência é capaz de oferecer, não seja um grande motivador.
Nossos cérebros, afinal, são pré-científicos. É só ver que temos um medo irracional de cobras, que não matam quase ninguém em ambientes urbanos, mas não nos incomodamos em pular o exercício nem em comer além da conta, que respondem por um bom pedaço dos óbitos modernos.
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