- O Globo
As ameaças de golpe já imobilizaram o Congresso. Agora o bolsonarismo quer domesticar a Justiça, que tenta frear a escalada autoritária do governo
O general Luiz Eduardo Ramos já reclamou que a imprensa publica “muita notícia ruim”. Agora resolveu usá-la para ameaçar a democracia. Em entrevista à revista “Veja”, o ministro da Secretaria de Governo disse ser “ultrajante” pensar que os militares preparam um golpe. “Agora o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”, acrescentou.
Responsável pela barganha de cargos com o centrão, Ramos criticou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Em seguida, deu um tiro de advertência contra o Tribunal Superior Eleitoral. “Não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente eleito com 57 milhões de votos”, sentenciou.
Para o jurista da caserna, os militares teriam poder de veto sobre decisões judiciais. É uma tese exótica, sem qualquer amparo na Constituição. O general apontou a garrucha para o TSE, que julgará se houve fraude nas eleições de 2018. A Corte poderia fazer tudo, menos cassar a chapa bolsonarista.
Para entender Ramos, é preciso saber quem ele situa no “outro lado”. O ministro não se refere à oposição, que não se une nem para redigir manifestos. Seus alvos são o Legislativo e o Judiciário, que podem esticar a corda da lei para frear a escalada autoritária.
A tática da intimidação já funcionou com o Congresso. O presidente comete crimes de responsabilidade todos os dias, mas o deputado Rodrigo Maia se recusa a tirar os pedidos de impeachment da gaveta. Resta ao bolsonarismo domesticar os tribunais, onde correm múltiplas frentes de investigação contra o clã Bolsonaro.
Até aqui, o Supremo tem resistido aos ataques coordenados pelo Planalto. Apesar do colaboracionismo do presidente da Corte, a maioria dos ministros dá sinais de independência. Na quarta-feira, Edson Fachin esclareceu que a liberdade de expressão não protege a apologia do golpe. “São inadmissíveis no estado de direito democrático a defesa da ditadura, a defesa do fechamento do Congresso ou a defesa do fechamento do STF”, disse.
No mesmo dia, o ministro Luís Roberto Barroso escreveu que “em nenhuma hipótese a Constituição submete o poder civil ao poder militar”. “É simplesmente absurda a crença de que a Constituição legitima o descumprimento de decisões judiciais por determinação das Forças Armadas”, afirmou. Na sexta, o ministro Luiz Fux lembrou que a lei não confere aos militares nada parecido com um “poder moderador”. O Executivo não pode usá-los para promover “indevidas intromissões” em outros Poderes.
É preocupante que juízes do Supremo se obriguem a dizer o óbvio: numa democracia, os militares devem lealdade ao Estado, não aos governantes de plantão. Apesar dos alertas, Bolsonaro continua a assediar os quartéis. Após a decisão de Fux, ele afirmou que as Forças Armadas “não cumprem ordens absurdas” e “também não aceitam tentativas de tomada de poder por outro Poder da República, ao arrepio das leis ou por conta de julgamentos políticos”.
O vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro Fernando Azevedo subscreveram a nota golpista junto com o capitão. Para reforçar os argumentos, fizeram questão de anotar suas patentes de general.
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